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O crack e a internação involuntária

Por LUIZ FERNANDO PEDROSO

Merecem aplausos as recentes declarações do ministro da saúde Alexandre Padilha à imprensa a favor da internação involuntária dos usuários de crack. Desde que ela começou a ser implantada no Rio de Janeiro com o apoio das autoridades judiciais, o assunto vem sendo cada vez mais debatido nos círculos políticos, jurídicos e de profissionais de saúde.

O maior argumento em contrário é uma equivocada defesa da liberdade individual que estaria sendo violada por uma medida de força pretensamente arbitrária. A melhor resposta veio da Procuradoria Geral do Município de São Paulo que há dois meses também autorizou a internação compulsória de crianças de rua dependentes de drogas. O argumento do procurador foi que, por serem civilmente incapazes, os menores não teriam o direito de escolher se querem ou não ser internados devendo submeter-se à escolha dos seus pais ou, na ausência deles, do estado. Além disso, um “toxicômano” também pode ser considerado incapaz, desde que passe antes pela avaliação de um psiquiatra.

As internações involuntárias fazem parte do dia a dia das emergências psiquiátricas. Elas são indicadas e efetivadas por médicos especializados, após avaliação criteriosa da sanidade mental do paciente, e são autorizadas pelos familiares que querem proteger seus entes queridos. Esse procedimento é regulado pela lei 10.216/2001 e, quando determinado pela justiça, é chamado de compulsório. Longe de ser uma medida autoritária ou ofensiva aos direitos da pessoa, ela é, pelo seu caráter terapêutico, protetora da vida e restauradora dos direitos e da cidadania destruídas pela doença. Uma pessoa privada dos seus mecanismos mentais de regulação, com juízo crítico e de realidade alterados, delirando, alucinando ou à mercê de impulsos patológicos irrefreáveis não é capaz de se autodeterminar. Prisioneiras de doenças graves, falta a elas a liberdade psíquica necessária para identificar seus desejos e necessidades e fazer escolhas sensatas. Se deixadas à própria sorte, atentarão contra a própria vida, seu patrimônio, sua família ou a sociedade. A dependência química é uma dessas doenças devastadoras. Ela não se confunde com o uso eventual, recreativo ou social de drogas e atinge somente uma minoria dos usuários. Mas, quando se instala, tende a escravizar a pessoa para o resto da vida e pode evoluir para um estágio onde ela perca a capacidade de autogerir-se. Nesse ponto, a interferência de terceiros se impõe para que lhe seja assegurada a recuperação de suas funções mentais, portanto, de sua liberdade, até então tolhida pela doença.

Mas a falta de colaboração do paciente suscita dúvidas sobre a eficácia do tratamento involuntário. É verdade que para se livrar das drogas é preciso muita determinação do dependente e, nesse sentido, internação nenhuma se propõe a fazer milagre. Ela é indicada para sua recuperação física e mental, para o tratamento das comorbidades psiquiátricas – disfunções de humor e psicoses que realimentam a compulsão – e para a reconstrução dos laços sócio familiares destroçados pelo vício. Temporariamente protegido em ambiente terapêutico, ele ganha uma nova chance de reconstruir a sua vida. Estima-se que, qualquer que seja a abordagem terapêutica, somente um terço dos dependentes graves se recuperam, mas sem a internação, com certeza, ficamos muito mais longe disso.

A defesa da internação involuntária não se confunde com a defesa da criminalização do uso de drogas. Aquela visa à interdição temporária dos mentalmente incapazes, esta a interdição perene de toda a população como se fossemos todos incapazes. Bom também seria se a bandeira dos direitos humanos, tão cara aos ideais libertários da luta contra a ditadura militar, não se confundisse com a defesa de criminosos e delinquentes. Tão pouco servisse para justificar a omissão do estado na preservação do espaço público e na segurança da população, frequentemente ameaçados por indivíduos em estado avançado de dependência química.

*Luiz Fernando Pedroso é médico psiquiatra e diretor clínico do Espaço Holos
Artigo publicado no Jornal A Tarde em 08/12/2011