Agenda sua consulta
Agende sua Consulta

Sobre a “Luta Antimanicomial”

Uma vez por ano algumas pessoas comemoram com atos políticos e até passeatas o que chamam de “Dia Nacional da Luta Antimanicomial”. Se não viesse com quarenta anos de atraso, isso talvez provocasse alguma reação nos meios psiquiátricos que não o espanto pelo seu anacronismo de forma e conteúdo. A manifestação se inspira nos movimentos contestatórios dos anos 60 e 70 quando, no mundo ocidental, a juventude universitária e os intelectuais se opunham aos regimes e costumes autoritários. No Brasil, uma parte se armava para lutar contra a ditadura; outra optava pelo chamado “desbunde”, que era o “sexo, drogas e rock and roll”. O Brasil deixava de ser um país agrário e a juventude recém urbanizada tentava superar seu provincianismo consumindo as mensagens revolucionárias vindas do primeiro mundo.

Essa contracultura política influencia a área de saúde mental criando o movimento antipsiquiátrico. A normalidade psíquica passa a ser vista como sinal de alienação política e a loucura se torna revolucionária. Os delírios, esquizofrênicos ou induzidos pelo ácido lisérgico, deviam ser vividos e expressos, pois nada mais eram do que produtos da família opressora e da sociedade burguesa. A moda eram as terapias político sociológicas. Decretava-se o fim da doença mental e, portanto, também, o fim dos manicômios.

Mas a ditadura chegou ao fim (caiu?!!!), vieram a AIDS, a era liberal (neo?), o muro de Berlim (esse caiu mesmo), a juventude ficou “yuppie” etc. A China adotou o socialismo de mercado (???!!!), a Albânia, antigo farol do proletariado mundial, virou pasto para cabras e os doentes italianos ainda continuaram por um tempo perambulando pelas ruas, menos é claro, os das classes abastadas que passaram a se internar em Portugal e Espanha. No Brasil dos governos populistas, os heróis do Cazuza “morreram de overdose” e os da esquerda viraram funcionários públicos. Nesse novo tempo, a loucura foi resgatada pela medicina.

A ideologia não acabou com os manicômios, apenas dificultou a internação psiquiátrica para os doentes pobres. Já a tecnologia médica continuou avançando e fazendo a verdadeira revolução antimanicomial. Da mesma forma como os grandes sanatórios para tratamento de tuberculose foram fechando com o advento dos antibióticos, o avanço dos conhecimentos médicos e terapêuticos na psiquiatria foi o grande responsável pelo esvaziamento dos manicômios e pela mudança no papel das modernas clínicas psiquiátricas. Graças a isso, hoje, mais de 90% dos atendimentos em saúde mental são feitos em ambulatório.

Justiça seja feita: o primeiro grande agente antimanicomial foi o eletrochoque. Introduzido na prática psiquiátrica nos anos trinta, produziu uma revolução terapêutica, reintegrando à sociedade pessoas até então desenganadas e confinadas em asilos. Depois, vieram os psicofármacos, uma segunda revolução médica para dar um golpe de morte aos manicômios. Hoje, as técnicas de eletroestimulação (o eletrochoque entre elas), os psicofármacos e as psicoterapias são os três grandes agentes antimanicomiais da medicina psiquiátrica moderna.

Contudo, o fim do manicômio não significa o fim da internação hospitalar, mas a sua transformação. Se a internação manicomial de caráter asilar está sucumbindo ao progresso da psiquiatria, a internação terapêutica de cunho emergencial e de curta duração vem se afirmando cada vez mais como um importante recurso no tratamento de sintomas agudos e distúrbios de conduta variados. Tem como objetivo acolher, proteger, conter e trabalhar limites. É uma internação feita para integrar e não para segregar.

Ao contrário do mundo ideológico, onde os diferentes recursos se antagonizam e disputam espaço entre si, em medicina eles se complementam. As internações integrais, os hospitais dia, os psicofármacos, as eletroestimulações e as psicoterapias são instrumentos terapêuticos imprescindíveis. E precisam estar acessíveis a todos porque o combate às doenças mentais é a verdadeira luta que devemos travar na sociedade atual.

* Dr. Luis Fernando Pedroso é médico psiquiatra, diretor clínico do Espaço Holos, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e Internacional Fellow of American Psychiatric Association