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Ambientoterapia: Uma visão atualizada sobre internações psiquiátricas | Artigo Fabiana Nery

O artigo da psiquiatra Fabiana Nery discute a adoção da Ambientoterapia com a proposta de ampliar as possibilidades terapêuticas da Internação Psiquiátrica, colocando a relação entre o indivíduo e o ambiente no qual está inserido em outro patamar.

 

Confira o artigo completo.

 


 

O DESAFIO DOS TRANSTORNOS MENTAIS

O tratamento dos transtornos mentais ainda é um dos grandes desafios da medicina atual. Em primeiro lugar, pela diversidade de apresentações sintomatológicas característica dos transtornos mentais, que afetam os comportamentos e a autodeterminação das pessoas em diversos graus e tem como consequência limitações funcionais de toda ordem. Em segundo lugar, por sua grande importância social, sendo responsáveis por significativa incapacitação profissional, além de estarem associados à casos de violência, desajuste social e familiar, abuso de drogas e a morte de causas variadas, em especial por suicídio.

Além disso, porque, a despeito de enormes avanços nos campos das neurociências, da genética e da psicologia, ainda não existem prevenções significativamente eficazes em relação ao surgimento dos transtornos mentais.

 

DOENÇAS INCAPACITANTES

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os transtornos metais colaboram com cinco das dez maiores causas de incapacidade entre todas as doenças incapacitantes. Além disso, eles representam 12% de todas as doenças existentes, atingindo uma média de 450 milhões de pessoas no mundo.

Enquanto a média em outros países é que 30% das pessoas apresentarão algum tipo de transtorno mental, no Brasil este índice atinge a marca que varia de 30% a 41,3%, ao longo da vida, segundo projeções, a partir de resultados de um estudo epidemiológico multicêntrico, realizado em Brasília, São Paulo e Porto Alegre, em 1992.

Os índices da OMS, utilizados para formular políticas públicas, indicam que dos 20% da população mundial que necessitarão de cuidado psiquiátricos específico em alguma época de suas vidas, 3% delas terão distúrbios graves e 1% das mesmas terá psicose, ou seja, terão alterações significativas de pensamento e comportamento.

 

POLÍTICAS DE INTERNAÇÃO DOS DOENTES MENTAIS

Nos últimos duzentos anos, com a progressiva urbanização das populações dos países industrializados não foi mais possível ignorar os doentes mentais, antes dispersos em amplas áreas rurais e atualmente em crescente processo de aglomeração nas grandes cidades.

Desde então, as políticas de internação de doentes mentais variou conforme o poder econômico das sociedades, as visões sócio-culturais e religiosas, as ideologias políticas e o prestígio das ciências médicas e psicológicas. Assim, conforme a época e o lugar, o destino dos doentes mentais graves eram as prisões, os asilos de cunho social ou os hospitais psiquiátricos.

O avanço das terapias biológicas, e os psicofármacos, possibilitou que mais da metade da população institucionalizada retornasse ao convívio social. Hoje, mais de 90% das pessoas com transtornos mentais são assistidas em ambulatórios e apenas 10% dos pacientes portadores de transtorno mental necessitaram de internação em hospitais psiquiátricos, hospitais-dia ou residências terapêuticas.

 

DO MANICÔMIO EXCLUDENTE A AMBIENTOTERAPIA

No contexto da medicina moderna, os hospitais psiquiátricos mudaram de forma e de função. Os antigos manicômios de caráter asilar e excludente, que mantinham segregados em espaços precários centenas de doentes mentais, deram lugar a pequenas clínicas de caráter terapêutico e reintegrador, com o objetivo de oferecer aos pacientes e suas famílias todos os recursos da moderna terapêutica psiquiátrica.

Para que a Psiquiatria desempenhe seu papel no cuidado de pacientes vulneráveis de forma cada vez mais efetiva, é preciso mais que um conjunto de profissionais especializados em saúde mental para humanizar sua estrutura hospitalar, é preciso implantar de forma efetiva a Ambientoterapia.

A Ambientoterapia é uma modalidade de atendimento que esta voltada para a construção de um ambiente terapêutico. Esta técnica baseia-se nos princípios da terapia psicodinâmica, da socioterapia e da psicologia institucional, e objetiva a abordagem do doente mental a partir das relações interpessoais na vivência institucional e a criação de vínculos conscientes, autocríticos e integradores nas relações sociais. Isso é muito mais do que um mero ajuntamento de profissionais de saúde mental numa instituição, pois implica na conscientização psicodinâmica dos vínculos intra-institucionais.

A internação psiquiátrica stricto sensu é um instrumento de contenção de comportamentos de risco que envolve aspectos clínicos, psicológicos, sociais, familiares, culturais, legais, e que impactam fortemente na vivência do paciente com repercussões para o resto de sua vida, mas acima de tudo, a internação psiquiátrica quando necessária, tem o papel principal de proteger o paciente e possibilitar a realização do tratamento e assim devolver a sua autonomia.

Realizada apenas com critérios de uma psiquiatria biológica reducionista, a internação pode inicialmente reduzir a sintomatologia aguda, mas dificilmente contemplará questões complexas e fundamentais para o paciente como reinserção social, aceitação familiar e retorno funcional. Considerando que o prognóstico das doenças mentais, inclusive as sequelas funcionais, dependem em grande medida da personalidade do doente e da forma como este se relaciona com o seu ambiente, a abordagem das questões relativas a essa personalidade e ao ambiente em que estes pacientes esta inserido são da maior relevância.

 

A AMBIENTOTERAPIA E A VALORIZAÇÃO DAS RELAÇÕES

O tratamento de transtornos mentais e emocionais não deve envolver simplesmente um processo de diagnóstico e cura, como vislumbravam algumas áreas clássicas do conhecimento científico. O modelo ideal de tratamento de transtornos mentais deve cuidar dos indivíduos com sofrimento psíquico sem ocupar-se somente daquilo que pode ser considerado uma doença. Assim, o objetivo é atender essas pessoas em sua individualidade e em sua relação com o meio social. Nos últimos anos, nota-se um grande esforço em humanizar o tratamento em saúde mental, na tentativa de melhor acolher os pacientes e promover o seu bem-estar. A Ambientoterapia vai além da simples humanização em voga, colocando a relação entre o indivíduo e o ambiente no qual está inserido em outro patamar, possibilitando que esta interação promova o seu crescimento e desenvolvimento pessoal.

A Ambientoterapia compreende todos os elementos do ambiente da instituição que tenham algum impacto sobre o paciente, entre os quais valoriza as rotinas da vida diária, visando oferecer possibilidades de relações humanas novas e/ou mais adequadas. Esta filosofia de atendimento é baseada na valorização da importância das relações humanas que ofereçam a possibilidade de contato social com respeito e afeto e que seja solidário, responsável e terapêutico.

LEIA MAIS SOBRE A AMBIENTOTERAPIA:  Ambientoterapia, o sujeito e a ambiência terapêutica    e  Ambientoterapia e a moderna Internação Psiquiátrica

 

O AMBIENTE TERAPÊUTICO

O processo contido na Ambientoterapia deve ser vivenciado pelas pessoas cuidadas e pelos cuidadores, tornando o ambiente terapêutico e para que isto se mantenha é necessário um constante investimento de todos os envolvidos. A equipe de atendimento se dispõe a criar um ambiente terapêutico onde o espaço possa assegurar a expressão, percepção e elaboração de conflitos emocionais, possibilitando o acesso a novos modos de se relacionar. Em um ambiente terapêutico pautado pela Ambientoterapia, além do tratamento psicofarmacológico, indispensável para o controle e melhora dos sintomas psiquiátricos, as atividades desenvolvidas constituem instrumentos para a análise e discussão de emoções e comportamentos, frente a situações vividas, que por sua vez representam as situações da vida, onde a possibilidade da experiência e de reflexões torna o ambiente terapêutico.

Dessa forma, a Ambientoterapia aumenta extraordinariamente o potencial terapêutico da estrutura hospitalar psiquiátrica, em especial na abordagem dos transtornos de personalidade e das dependências químicas. Porque também ela resgata para o hospital psiquiátrico a condição de lidar com as comorbidades de natureza psicológica que interferem de forma determinante no êxito dos tratamentos.  A implantação da Ambientoterapia requer a construção de um espaço que seja primordialmente de vivência com espaços de recolhimento e de socialização, mas que tenha por trás uma estrutura hospitalar psiquiátrica solida que, embora presente, não seja aparente nem interfira na estética e tão pouco na vivência do indivíduo.

A Ambientoterapia é um conceito antigo que estamos revitalizando, porque ele vai muito além da mera humanização dos hospitais e torna a internação psiquiátrica um instrumento verdadeiramente terapêutico, afastando a imagem antiga do manicômio e do asilo.

No presente estudo observamos que através do fornecimento de informação adequada e qualificada, aos profissionais da área de saúde mental, assim como aos familiares e cuidadores de pacientes, é possível provocar um impacto positivo significativo na forma como esses indivíduos atuam e interpretam o tratamento de pacientes com transtornos psiquiátricos. Dessa forma, acreditamos que através de uma melhor integração entre equipe de profissionais de saúde mental, pacientes, familiares e o ambiente terapêutico, é possível desenvolver um novo paradigma no tratamento dos pacientes portadores de transtornos mentais graves, voltado para o cuidado integral do indivíduo e sua recuperação familiar e social.

ASSISTA AO VÍDEO: AMBIENTOTERAPIA, REALIZANDO UM PROJETO TERAPÊUTICO

PESQUISA “ENTENDENDO A AMBIENTOTERAPIA”

Em 2016, a Holiste iniciou um projeto que consistia em 10 palestras gratuitas sobre Psiquiatria, Saúde Mental e a Ambientoterapia.   As palestras foram divididas em 02 propostas:

  • Ciclo de Palestras Holiste – 05 palestras abertas e gratuitas, direcionadas para os profissionais de saúde mental e também de outras áreas;
  • Encontros Holiste – 05 palestras abertas e gratuitas, voltadas para familiares e cuidadores de pessoas com transtornos mentais.

No total, as 10 palestras reuniram mais de 1000 pessoas.  O objetivo de todo o projeto foi proporcionar informações e debates atualizados referentes aos transtornos psiquiátricos mais prevalentes e as situações clínicas enfrentadas por profissionais de saúde mental e por familiares e cuidadores de pacientes, sob a ótica da Ambientoterapia.  Em todos os eventos, foi aplicado um questionário para avaliar o impacto e as repercussões desta intervenção nos participantes.

Cerca de 45% dos participantes responderam a pesquisa.  Destes, 70% eram do sexo feminino, mais de 60% possuíam nível superior, especialização ou mestrado/doutorado

Em relação ao impacto das palestras sobre os participantes, observou-se que 39,8% dos participantes do Ciclo de Palestras Holiste e 45,8% dos participantes do Encontros Holiste não estavam familiarizados com o conceito de Ambientoterapia e que 65,1% dos participantes do Ciclo de Palestras Holiste e 84,5% dos participantes do Encontros Holiste acreditam que a Ambientoterapia pode ser considerada uma inovação no tratamento de pacientes com transtornos mentais.

A grande maioria dos participantes, 94,8% do Ciclo de Palestras e 93% dos Encontros, afirmam que o evento acrescentou conhecimento que ele não possuía. Dos participantes, 63% do Ciclo de Palestras e 83,8% dos Encontros afirmaram que a sua visão sobre tratamento psiquiátrico mudou de forma positiva após a sua participação no evento. Da mesma forma, 83,2% dos participantes do Ciclo de Palestras Holiste e 92,3% dos participantes do Encontros Holiste relataram que a participação no evento lhe ajudou a lidar melhor com pessoas portadoras de transtornos mentais.

SAIBA MAIS SOBRE O CICLO DE PALESTRAS HOLISTE E O ENCONTROS HOLISTE

 

BIBLIOGRAFIA

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