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Lobos, cordeiros e burocratas

Por LUIZ FERNANDO PEDROSO

O Conselho Federal de Medicina conclamou os médicos a suspenderem o atendimento aos pacientes de convênio no dia 7 de abril para pressionar os planos de saúde pelo aumento de honorários. Como sempre, muitos colegas manifestarão sua indignação pelo desprestígio social da categoria expresso na baixa remuneração. No final, talvez se consiga algum reajuste, certamente abaixo da inflação e dos crescentes custos, que ficará congelado por mais alguns anos até nova chiadeira coletiva. Em essência, nada mudará, até porque o propósito desta convocação é restrito ao reajuste da tabela, a chamada CBHPM.

A sacralização da medicina promovida pelos próprios médicos principalmente nos jornais corporativos nos deixa em desvantagem. Acreditando ser possível vivermos alheios às leis econômicas que regem a sociedade, exaltamos nossa profissão como um sacerdócio sem qualquer interesse material e praticado apenas por idealismo. Sentimo-nos superiores a outros prestadores de serviço, como se engenheiros, professores, cabeleireiros, etc. não exercessem ofícios igualmente nobres, como se toda profissão exercida com dedicação não fosse um sacerdócio ou como se sacerdotes rezassem a missa de graça. Inebriados por essa mística narcisista encontramos, no outro lado da mesa de negociações, empresários “experts” no manejo dos mercados e orgulhosos dos seus altos índices de faturamento e lucro. Não temos chance, nem nunca tivemos. Da última vez, ainda nos passaram a mão em lugares impublicáveis colocando na tabela um “redutor” de 20% para os profissionais do nordeste.

Exceto para os médicos, a saúde é um próspero negócio. A Feira Hospitalar que reúne anualmente em São Paulo centenas de empresas nacionais e estrangeiras, que abastecem hospitais e ambulatórios públicos e privados pelo Brasil afora, mostra o tamanho desse comércio. Lá, vende-se de tudo, desde os mais simples materiais de curativo até todo tipo de aparelhos, próteses, camas, lençóis, lavanderias, cozinhas e construção de hospitais. São incontáveis indústrias que empregam milhares de trabalhadores e recolhem fábulas de impostos com um impressionante e lucrativo movimento de bilhões de reais girando em torno do ato médico. Alienados a tudo isso, fazemos coro com a igreja católica do século XII e vemos o lucro como um defeito moral e um mal social, adotamos um código de ética onde a medicina não pode ser exercida como um comércio e desconsideramos que, independente de nossas intenções, para o mercado, o serviço médico é apenas mais uma “commodity” a ser comprada por governos e planos de saúde.

Nossas lideranças corporativas, compostas em sua maioria por funcionários públicos em busca de algum prestígio social ou acadêmico, não são capazes de entender que, no embate com os planos de saúde, uma tabela como a CBHPM é um gol contra. A pretexto de impedir o aviltamento da remuneração fixando supostos preços mínimos, acabam criando uma tabela de referência única, cuja ideologia igualitária nivela por baixo prestadores e serviços de qualidade distinta, e desestimula a concorrência e a inovação criativa. Sem nunca ter atingido seus objetivos, essa bandeira deixa de lado a questão do credenciamento universal, ponto crucial para tirar dos planos de saúde o poder de cartelizar o mercado, fortalecer a lei da oferta e procura e devolver aos médicos a liberdade de exercício profissional.

O direito constitucional à saúde para todos não significa que o estado deva ser o único mantenedor. O mercado pode e tem sido uma importante fonte financiadora de serviços de saúde de qualidade, mas para isso a medicina não pode ficar prisioneira de ideologias arcaicas. Ela tem de ser adaptada como negócio e conduzida pelas leis do mercado. Então, temos de agir como profissionais em busca de espaço e não como funcionários em busca de aumento. Caso contrário, seguindo burocratas com bandeiras anacrônicas, continuaremos um rebanho de cordeiros enfrentando lobos e, como sempre, perdendo…

 

* Luiz Fernando Pedroso é médico Psiquiatra e Diretor Clínico do Espaço Holos . Texto publicado pelo Jornal A Tarde em 06/04/2011