Em artigo publicado no jornal A Tarde, Paula Dione, psiquiatra da Holiste, falou sobre como a busca por auxílio profissional é fundamental para minimizar os danos causado pelos transtornos mentais, potencializando uma vida mais saudável e plena.
“De acordo com a crença popular, não há nada como um dia após o outro. Esse dizer traduz a ideia de que, de forma independente de esforços individuais, o próprio passar do tempo conduz as situações insólitas da vida às suas respectivas soluções. Cabe perguntar, no entanto, se esse tipo de filosofia pode ser aplicado quando se trata de intervenções em saúde mental.
Não é difícil imaginar que, ao tratar de uma patologia que implica desconforto para o portador e para quem o cerca, o lugar de espectador é o mais tentador, entregando ao “tempo” o poder e o dever de conduzir a vida. Afinal, quem gostaria de se encarregar de dar limites a um dependente químico? Quem seria voluntário para atuar como instrumento de crítica e freio para uma pessoa que vem se expondo socialmente, em decorrência de um episódio de hipomania? Não seria mais conveniente deixar que o envolvido, através da própria consequência de seus atos, seja guiado pelo “destino” à sua recuperação ou ao trágico desfecho de sua história?
A experiência clínica mostra que, por mais procrastinada que seja uma demanda, sua tendência não é desaparecer, mas retornar em variadas apresentações. Dificuldades de relacionamento interpessoal que não são adequadamente trabalhadas podem produzir uniões afetivas conflituosas, déficits de adaptação a ambientes de trabalho, além de convivência doméstica desgastante. Sintomas ansiosos que não são valorizados podem culminar em transtornos maiores, como síndrome do pânico, transtorno de ansiedade generalizada ou mesmo episódios depressivos, causando intenso sofrimento. Será que vale mesmo deixar o prego ao sabor do martelo?
Muitas pessoas ainda pensam em psiquiatria como uma especialidade reservada à abordagem de casos em que a desorganização psíquica é muito evidente, como em episódios psicóticos (nos quais o indivíduo perde o juízo de realidade) ou casos envolvendo risco de suicídio, com prejuízo pessoal e social extremos. As possibilidades em saúde mental são amplas e diversas, desde a prevenção e orientação até a prática intervencionista propriamente dita. Dessa forma, não se deve valorizar apenas quadros em que a sintomatologia é gritante; cabe, também, dispensar alguma atenção aos “pequenos” desconfortos do dia-a-dia.
Ninguém pode duvidar do poder do tempo enquanto condutor desse “fio” que nos guia, existindo, talvez, o momento “certo” para a ocorrência de determinados eventos. No entanto, cabe a cada um questionar o próprio posicionamento enquanto agente de mudanças de estilo de vida, seja da própria, seja dos que estão em seu convívio. Diante de um cenário com visíveis demandas de ordem psíquica, buscar auxílio profissional é fundamental para minimizar danos e aproveitar as potencialidades que a vida oferece.”