Cresce o número de pessoas afastadas do trabalho pela dependência química. Dr. Luiz Guimarães, psiquiatra da Holiste, esclareceu o quadro no CBN Bate-papo.
Segundo o INSS, cresce o número de dependentes químicos que recebe auxílio doença ou aposentadoria por invalidez. Em entrevista ao CBN Bate-papo, Dr. Luiz Guimarães trouxe dados ainda mais preocupantes: além dos afastamentos pela dependência química em si, cerca de 25% dos acidentes de trabalho no Brasil são decorrentes do uso ou abuso de drogas, o que ganha proporções imensas se considerarmos que o Brasil é o quinto país do mundo em acidentes de trabalho, com cerca de 500 mil afastamentos por ano.
Absenteísmo x “Presenteísmo”
Pessoas afastadas do trabalho, por conta de uma dependência química, trabalhavam normalmente até certo momento. Esta afirmação pode parecer vazia, óbvia, mas é essencial para se avaliar o problema da dependência, segundo Dr. Guimarães: “Antes da pessoa ter o absenteísmo ela teve o presenteísmo, e o que é o presenteísmo? É quando eu vou ao trabalho e rendo menos. Quando a gente vai falar do absenteísmo, este já é o resultado final, é a ponta da lança, mas ela teve o presenteísmo, ou seja: é aquele trabalhador que começou a faltar constantemente, o rendimento dele começou a diminuir, o número de acidentes no setor dele aumentou, ele começou a causar mais confusões e brigas, começou a voltar mais tarde da hora do almoço, a pedir mais dinheiro ou adiantamentos, e tudo isso passa de uma forma velada pela empresa. Então, as empresas e patrões deveriam atentar para o seguinte: é mais fácil reabilitar uma pessoa nessa etapa do que quando ela é afastada ou demitida, e a empresa tem que contratar uma nova e prepará-la”.
Álcool: o vilão quase invisível
Por se tratar de uma droga legalizada e de alta penetração social, o álcool acaba sendo esquecido quando se toca no problema das drogas. Em verdade, o alcoolismo é a principal causa dos afastamentos por abuso de substâncias químicas: “Quando as pessoas falam de droga, é necessariamente sobre crack, cocaína, maconha. Não, álcool também é droga. Também quero chamar atenção para medicações: tem gente que faz abuso de medicações. Quantos colegas você não conhece que fazem uso daquele Rivotril ou daquele Diazepan?” – pontua Dr. Guimarães.
Em relação ao álcool, o psiquiatra traça um breve cenário: “As pessoas que trabalham na construção civil, que trabalham com uma pressão muito grande, sem uma chefia, com objetivos não muito claros, é muito comum fazerem abuso de álcool trabalhando! Imagine o cara operando uma grua, aquelas máquinas pesadas, usando álcool”. Para tratar desse problema de forma mais efetiva, o especialista acredita que é preciso quebrar velhos estigmas: “Não é porque a droga é licita ou ilícita que ela é mais ou menos prejudicial. Não estou fazendo apologia a nenhuma droga, mas a gente tem que colocar isso na cabeça. Acidente de trânsito, por exemplo, não é causado por quem fuma maconha, é causado por usuário de álcool. Então, a maior parte dos trabalhadores que têm acidentes de trabalho, acidentes de trânsito, são os que fazem o uso moderado do álcool, não são os dependentes”.
Perfil do trabalhador adicto
Apesar de ter citado os trabalhadores da construção civil, Dr. Guimarães faz questão de frisar que a dependência atinge todas as classes sociais e profissões: “As pessoas que operam em bolsa, diretores, profissionais do marketing, médicos, existem algumas profissões que estão mais predispostas a isso. Por exemplo, condições físicas que fazem a pessoa ter uma tendência maior a usar drogas: trabalhar ao ar livre, marinheiro, estivador. Quem trabalha ao ar livre, trabalha sem supervisão, ele tem uma liberdade maior para poder sair e fumar, e cheirar, injetar. Pessoas que trabalham com horários intempestivos, esse pessoal que trabalha sob pressão, por exemplo: publicitário, operador de bolsa, advogados, caminhoneiros, que usam muito psicoestimulantes. E aí o que eles fazem para relaxar? Usam álcool”.
Mas, se todos estamos submetidos ao estresse diário, o que faz o indivíduo se tornar um viciado? “São pessoas que teriam uma predisposição, isso somado: genética e ambiente. (…) E outra: a gente tem que ver que, às vezes, as pessoas passam a usar drogas por comorbidade, ou seja; elas desenvolvem uma depressão, o que é muito comum, e a mulher vai ao médico. Já o homem vai para o bar” – pontua.
Prevenção
O trabalho de prevenção é muito difícil e raro em nossa sociedade. As empresas, mesmo as de grande porte, não estão preparadas para lidar com o problema da droga no ambiente de trabalho ou mesmo na vida particular do trabalhador. Além do estigma associado ao uso de substâncias ilícitas, a aceitação social das drogas lícitas dificulta a identificação e abordagem do problema. “Se você parar para pensar que todas as pessoas que chegam no INSS estavam empregadas, e que eu passo a maior parte do tempo no trabalho, pelo menos oito horas, e se eu colocar as duas horas de almoço e o deslocamento eu passo de dez a doze horas do meu dia trabalhando. O local do trabalho é o local mais eficaz, onde seria detectado o caso, porque em casa não dá. Imagine você: um cara que trabalha na construção civil, (…) quando ele chega em casa (e ele chega alcoolizado), se a esposa for falar ele vai dizer que não tem problema nenhum porque é ele quem está colocando dinheiro dentro de casa. Então a família não tem este poder, muitas vezes. A família só vai buscar o tratamento quando ele já não consegue mais trabalhar” – identifica o psiquiatra.
Segundo Dr. Guimarães, o ideal é que as empresas se preparassem para identificar os casos e encaminhar os funcionários a um tratamento eficaz: “Se a gente tiver uma política, dentro da empresa, mais focada na identificação disso teríamos menos esse problema. O impasse é que a gente fica no paradoxo do tratamento, onde ficamos olhando só quem já tem os problemas mais graves. Então, eu acho que o foco da conversa tem que estar voltado para essa política da empresa e da sociedade como um todo, em observar se a pessoa está tendo este tipo de prejuízo enquanto ainda trabalha. O álcool é um exemplo: ninguém se torna um bebedor problemático em uma semana” – conclui.
Ouça a entrevista completa: