Surto de PM expõe a desassistência na saúde mental durante a pandemia. Em entrevista ao jornal De Fato, Fabiana Nery analisa o caso.
No último dia 28 de março, um policial militar da Bahia protagonizou momentos de pânico e tensão em frente ao maior cartão postal de Salvador, o Farol da Barra. Portando armamento de grosso calibre, o policial, que estava visivelmente transtornado, efetuou diversos disparos para alto ao longo da tarde, enquanto gritava palavras de ordem. As negociações para que ele se entregasse duraram até o momento em que ele realizou disparos contra a equipe do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que reagiu e acabou levando-o a óbito.
De acordo com Fabiana Nery, psiquiatra e coordenadora do Centro de Estudos da Holiste Psiquiatria, o homem – que estava com o rosto pintado nas cores verde e amarelo – apresentava sinais de um quadro de surto psicótico e expôs o agravamento da desassistência da saúde mental durante a pandemia.
Para a especialista, que é perita psiquiátrica, é importante salientar que os surtos psicóticos não acontecem de uma hora para outra, eles vão sendo anunciados pelo paciente gradativamente. Assim, antes de realizar atos como o do PM, o paciente vai dando sinais, mas que não recebem a devida atenção por quem está em volta. As pessoas se negam a enxergar o que está acontecendo, o indivíduo não busca ajuda especializada e aumenta a probabilidade de um surto.
Quando a situação aparece de forma gritante, como nesse caso, é exatamente porque o acompanhamento adequado foi negligenciado no início do quadro. “A situação de desassistência de saúde mental que a gente encontra hoje é grande. Ainda mais em uma situação de quarentena. Isso aumenta o nível de estresse e pode ser um gatilho para um episódio de surto”, explica Fabiana.
Características do surto psicótico
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, a equipe do BOPE que realizou a negociação durante 3h30, percebeu que o soldado alternava momentos de lucidez com acessos de raiva, acompanhados de disparos.
De acordo com a SSP, além dos tiros de fuzil, o soldado arremessou grades, isopores e bicicletas, no mar. O surto se caracteriza exatamente por sintomas como delírios e/ou alucinações, comportamento desorganizado, oscilações de humor, esclarece a psiquiatra.
A doença mental é multifatorial, tem um componente psicológico e social, por isso, é urgente oferecer assistência psiquiátrica multidisciplinar – sobretudo aos trabalhadores essenciais durante a pandemia, como agentes de segurança, médicos, entre outros – para identificar e tratar casos graves:
“O paciente tem que ser atendido por uma equipe diversa porque não é só tratar a psicose, mas promover a reinserção social para que haja a adaptação completa e a desadaptação não funcione como um gatilho para um novo surto”, finaliza Fabiana Nery.
Matéria Publicada originalmente no: Jornal de Fato.