Em setembro, Mente e Cérebro promoveu seminário com médicos, psicanalistas e pesquisadores para discutir novos tratamentos e diferentes pontos de vista sobre o distúrbio.
Vivemos por mais tempo e com melhor saúde do que há meio século, mas nem por isso somos mais felizes. Apesar das inúmeras opções de diversão, maior poder de compra e, aparentemente, de escolha, estamos cada vez mais insatisfeitos: a depressão será o problema de saúde pública mais comum do mundo em menos de 20 anos; 350 milhões de pessoas de todas as idades sofrem com o transtorno no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, a depressão é vista como resultado da combinação de fatores endógenos (como hereditariedade) e fatores de risco ambientais, como valores culturais e experiências emocionais. Os sintomas se configuram de maneira diferente em cada paciente, de forma que não há tratamento definitivo. “Seria muito simples pensar a depressão apenas como resultado da maior ou menor oferta de neurotransmissores. É mais correto relacioná-la à interação desses agentes químicos – serotonina, dopamina, glutamato, e tantos outros. São vários caminhos neurais diferentes que, juntos, determinam cognição, interesse, vontade”, explica o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor do Grupo de Estudo de Doenças Afetivas (Gruda) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), em palestra no seminário “Depressão”, promovido em setembro por Mente e Cérebro na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, com patrocínio da Apsen Farmacêutica.
A depressão se distingue da tristeza pela duração de seus sinais e pelo contexto em que ocorre. Por exemplo, é natural sentir-se triste e sem perspectivas após a morte de um ente querido, perda do emprego ou término de um relacionamento. Períodos de luto, de elaboração de experiências desagradáveis, acontecem na vida de qualquer pessoa e, normalmente, são superados – apesar de, atualmente, termos cada vez menos tempo e espaço para vivenciar a tristeza. Na depressão, porém, essa à sensação é duradoura. “Humor depressivo por mais de duas semanas, incapacidade de sentir qualquer prazer, tendência a sobrevalorizar eventos negativos são alguns dos sinais emocionais. Também há sintomas físicos, como problemas de sono, falta de apetite e dores difusas”, diz Moreno.
NEUROCIÊNCIA DO SOFRIMENTO
Dor e depressão têm uma via neuroquímica comum. Em média, pessoas com sintomas depressivos procuram atendimento médico sete vezes mais que quem não tem o distúrbio, segundo a OMS. Menos da metade delas é diagnosticada corretamente e recebe tratamento adequado. “Queixas de dor crônica não raro estão no centro de um ‘círculo vicioso’de depressão, ansiedade, estresse e insônia”, explica o psiquiatra Kalil Duailibi, coordenador de psiquiatria da Universidade de Santo Amaro (Unisa). A literatura médica sugere que noradrenalina, neurotransmissor envolvido na regulação do humor, do ciclo de sono e na resposta de estresse, desencadeia eventos em cascata, que se manifestam em ansiedade, no início e, depois, em depressão. Mais de 60% dos episódios depressivos são precedidos por quadros de ansiedade, e a insônia crônica aumenta quatro vezes o risco de depressão. Já o estresse crônico leva à diminuição do fator de proteção neuronal, afetando a ramificação dendrítica dos neurônios. Consequentemente há morte de células e redução do volume – atrofiamento – de regiões cerebrais.
Estudos com a tecnologia de neuroimageamento apontam que, na depressão, há redução de atividade em áreas corticais, como córtex cingular anterior, área associada a funções como modulação de respostas emocionais, motivação e atenção. Em contrapartida, há maior metabolismo de áreas mais “primitivas” do cérebro, como a ínsula, -relacionada à sensação de repulsa, e do sistema límbico como um todo, com amplo papel no processamento de emoções negativas. De fato, um dos principais traços da depressão é uma maneira “acinzentada” de interpretar o mundo, que prioriza as perspectivas negativas. Duailibi cita o fenômeno Kindling na depressão: um evento estressor significativo desencadeia o primeiro episódio. Progressivamente, os quadros passam a ser desencadeados por eventos menos intensos ou mesmo sem motivo; é uma espécie de suscetibilidade crônica, que envolve alterações cerebrais, muitas ainda não elucidadas, e estímulos ambientais.
O tratamento mais comum, e de mais fácil acesso, ainda é o farmacológico. Os medicamentos costumam trazer alívio para pacientes com sintomas moderados ou graves, que geralmente apresentam prejuízos no trabalho e na vida pessoal. Em depressões leves, a eficiência dos antidepressivos é menos nítida: eles têm desempenho equivalente ao placebo (substância neutra, mas que pode desencadear efeitos psicológicos). “A remissão, a ausência total de sintomas, é importante para combater essa vulnerabilidade. Se os medicamentos ajudam a superar um episódio depressivo, a psicoterapia ajuda a evitar outros”, diz Duailibi.
O tratamento mais comum, e de mais fácil acesso, ainda é o farmacológico. Os medicamentos costumam trazer alívio para pacientes com sintomas moderados ou graves, que geralmente apresentam prejuízos no trabalho e na vida pessoal. Em depressões leves, a eficiência dos antidepressivos é menos nítida: eles têm desempenho equivalente ao placebo (substância neutra, mas que pode desencadear efeitos psicológicos). “A remissão, a ausência total de sintomas, é importante para combater essa vulnerabilidade. Se os medicamentos ajudam a superar um episódio depressivo, a psicoterapia ajuda a evitar outros”, diz Duailibi.
Terapias complementares e hábitos saudáveis que combatem o estresse ajudam a prevenir a volta dos sintomas: acupuntura, massagem, atividade física, alimentação rica em nutrientes e pobre em gordura animal.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina aprovou a técnica de estimulação magnética transcraniana (EMT) superficial. O tratamento consiste em aplicar ondas eletromagnéticas sobre o cérebro, com o objetivo de modular o funcionamento de regiões (determinadas por exames de neuroimageamento) que operam de forma alterada em pessoas com transtornos neuropsiquiátricos. As ondas eletromagnéticas aumentam o fluxo sanguíneo na área e, consequentemente, sua atividade cerebral.
“A área do cérebro a ser trabalhada é marcada numa touca e o médico direciona os estímulos para o local correto. A EMT pode ajudar pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, acelerar a resposta a ele ou mesmo ser uma alternativa”, explica Marco Marcolin, coordenador do Serviço de Estimulação Magnética Transcraniana do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). O tratamento é indolor, pois é não invasivo, não há corte nem anestesia. Um estudo observacional publicado em junho de 2012 na Depression and Anxiety, que acompanhou 307 pacientes com depressão grave que não estavam sendo tratados com antidepressivos, aponta que a EMT é eficaz para pacientes que não respondem aos medicamentos: em média, 58% apresentaram redução dos sintomas, e 37% remissão (ausência de sintomas).
EXERCÍCIO DE AUTOCOMPAIXÃO
Cada vez mais estudos comprovam o impacto positivo da meditação sobre o humor. Uma pesquisa brasileira, publicada na Neuroimage, mostra que a técnica melhora o desempenho cerebral, especialmente em tarefas que exigem concentração. “O cérebro de pessoas que meditam recruta menos áreas cerebrais para realizar uma determinada tarefa, como se fizesse uma maior ‘economia’, o que se traduz em mais foco e concentração; um desafio no mundo cheio de estímulos em que vivemos”, diz a psicobióloga Elisa Kozasa, do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, autora do trabalho.
O cérebro de pessoas com depressão está “habituado” a processos cognitivos que desencadeiam o problema, como pensamentos depreciativos sobre si mesmas. A meditação ajuda o paciente a se conscientizar de emoções, fantasias, lembranças e situações que passam por sua mente consciente. Atualmente, cientistas estão comprovando os benefícios da terapia cognitivo-comportamental (TCC) baseada na atenção plena (MBCT, mindfulness-based cognitive therapy), isto é, o uso de técnicas de meditação para potencializar os efeitos da terapia comportamental. “É um programa de oito semanas que ajuda o paciente a perceber os velhos hábitos de pensar que atiram sua mente em uma espiral descendente de pensamentos negativos. Ele aprende a ser mais gentil consigo mesmo a atentar para os aspectos positivos de seu cotidiano, exercitando o julgamento baseado na autocompaixão”, explica Elisa, citando o dalai-lama Tenzin Gyatso: “A mente é como paraquedas: funciona melhor aberta”.
FONTE – Revista Mente e Célebro