A importância do “Laço Social” na relação com pacientes psiquiátricos crônicos é o tema do artigo de Caroline Severo, psicóloga e coordenadora da Residência Terapêutica.
Leia o artigo completo, publicado hoje (7/11) no jornal Correio.
Nesse último ano, acompanhamos a polêmica decisão do fechamento de hospitais psiquiátricos na Bahia, e a consequente desassistência dos seus pacientes e familiares. É importante analisar, principalmente, a condição do paciente com diagnóstico psiquiátrico crônico e o seu isolamento nos laços sociais. Todos que trabalham com o mundo da loucura sabem como é difícil driblar a segregação e não cronificar a sua prática.
O paciente crônico tem uma evolução lenta e longa, marcada por crises cada vez mais fortes, permanentes e frequentes. Esses quadros tendem a apresentar um histórico de internamentos prolongados, fragilidade do suporte familiar e, como consequência, o distanciamento do contato com o mundo. Segundo Zenoni, a definição de paciente crônico está associada a ocupação indevida e a redução da vida social. Esses pacientes perdem o seu “lugar de indivíduo” na sociedade para ocupar apenas o “lugar de doente”. Sempre marcados por “desacomodações”, seja do espaço físico ou das suas questões mais íntimas, esses pacientes gradativamente aumentam a sua estranheza na relação com o social. Uma frase de uma paciente ilustra bem essas questões: “Parece que o mundo é muito veloz para mim”.
A condução do tratamento com os pacientes crônicos, principalmente psicóticos, não passa por tutelá-los, excluindo o indivíduo de suas responsabilidades; pois, se assim for, condenamos o tratamento ao fracasso e a impossibilidade da transformação. Trabalhar para que esse paciente possa trazer suas questões à tona possibilita tratar o sintoma e mediar a sua relação com o mundo, buscando devolver a sua identidade enquanto indivíduo que tem anseios pessoais, objetivos de vida e responsabilidades, deixando para trás a apatia do rótulo de “doente mental”.
Nesse sentido, a discussão não se resume ao fechamento dessas Instituições, mas recai, de sobremaneira, na questão do isolamento dos laços sociais, que talvez se origine na solidão das Instituições, mas que se perpetua fora dela. A problematização sobre o laço social do paciente crônico vai além da existência da “UTI” do Hospital Psiquiátrico, do sujeito “ensimesmado” e da cronificação do paciente e das Instituições. É necessário reavaliar os modelos terapêuticos, sendo fundamental pensar em abordagens que propiciem novas formas de recompor a relação do paciente com seu corpo e com o mundo.
A importância do trabalho com esses pacientes, muitos internados há anos, talvez décadas, é encontrar um espaço para que possam se referenciar, protagonizar, delimitando seu corpo numa dialética entre partes e totalidade. Essa sim seria a ferramenta mais eficaz para conter sua alienação, ampliar sua autonomia, restabelecer e fortalecer seus laços sociais.