Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e diretor clínico da Holiste, fala sobre legalização das drogas, burocracia e liberdade em artigo publicado no jornal Correio.
O último Congresso Brasileiro de Psiquiatra teve como tema “O futuro da psiquiatria dentro da neurociência”. Mas, o que realmente me chamou a atenção foi a prevalência de uma visão autoritária e estatizante nos debates envolvendo políticas públicas de saúde mental.
Numa das mesas sobre a política de drogas no Brasil, dirigida por uma promotora, o recado dado foi que o estado, leia-se a burocracia, não pode perder o controle da sociedade, como se, numa democracia, não fosse o inverso o verdadeiro: a sociedade é que não pode perder o controle sobre o Estado. Para ela, a política seria incompetente para legislar sobre os problemas brasileiros, a guerra às drogas deveria continuar com o protagonismo do judiciário e seria preciso mais verbas, mais impostos, para que a burocracia estatal consiga defender a sociedade dela mesma.
A supressão da liberdade, valor maior de uma democracia, estaria justificada por motivos de ordem superior, um suposto e demonizado inimigo: as drogas. Nesse pragmatismo reducionista, o estado continuaria tutelando a sociedade com burocratas de toda ordem, decidindo o que é melhor para o cidadão em detrimento do seu livre arbítrio e do seu dever de assumir as responsabilidades pelas suas escolhas.
Assim, o debate sequer tangenciou a questão da liberação das drogas no Brasil, ou tampouco seu uso abusivo e/ou patológico como uma questão de saúde pública, mas limitou-se a tentar amenizar a guerra às drogas, com uma maior ou menor criminalização do usuário para justificar a ação redentora dos que se arvoram em salvadores da pátria.
Se há um tipo de agente público pior que o político corrupto é aquele que quer legislar sem ter sido eleito; é o concurseiro que aparelha a máquina pública para impor sua ideologia e que ninguém consegue se livrar na eleição seguinte. É aquele que imbuído de uma suposta superioridade moral, transmuta-se num justiceiro defensor dos fracos e oprimidos, num padrão mental que Melanie Klein definiu como infantil e esquisoparanoide.
A defesa da legalização das drogas não é uma apologia às mesmas, com incentivo ao uso, nem é falta de crítica aos comportamentos de risco. A questão em jogo é o limite da intervenção estatal na vida das pessoas em detrimento de sua autodeterminação. A criminalização das drogas transfere para o estado a responsabilidade pelas escolhas individuais, infantiliza a sociedade, cria uma reserva de mercado para financiar a criminalidade e dificulta as abordagens terapêuticas dos dependentes químicos.
Uma vez que problemas em relação às drogas sempre existirão, sejam elas legalizadas ou não, a questão é escolhermos os problemas com os quais queremos trabalhar, se com aqueles decorrentes de um estado paternalista, autoritário, ineficiente e caro, ou se com aqueles de uma sociedade moderna e democrática.
Veja também:
“Psiquiatria para além da medicina”
“Psiquiatria Salva Vidas”
A liberdade refém da burocracia