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Médicos e Cabeleleiros

– Como está agora? 

– Bem melhor. 

– Precisa cuidar direitinho. Tome cuidado, ok? 

– Pode deixar. 

– Te vejo no mês que vem? 

– Com certeza. 

– Quer deixar marcado? 

 – Melhor não. Não quero prender seu horário. Depois eu ligo e marco com mais certeza.

– OK. Até lá! 

– Até…

 

Este foi meu último diálogo com um profissional que vejo quase todos os meses. Felizmente, não sofro de nenhuma doença crônica que precise de acompanhamento periódico. Nem tampouco sou hipocondríaco ou faço exames regulares com receio de algum mal maior. Este foi apenas um fragmento de conversa com o profissional com quem corto o cabelo há mais de 10 anos.

Saindo do salão deixei um cheque no valor de R$ 40,00 referentes ao corte e mais 10% de gorjeta, como meu pai me ensinou: ‘Filho, estes profissionais ficam bem mais motivados a trabalhar, se você demonstrar satisfação‘.

Chegando ao consultório me deparo com uma situação constrangedora onde uma paciente recusava-se fornecer seu cartão do plano de saúde para ser feita a cobrança junto à seguradora, pois alegava que era retorno de consulta, onde ela apenas teria vindo para mostrar os exames que eu pedira há 2 meses atrás. Para contornar a situação, acabei orientando que não fosse feita a cobrança e que a atenderia assim mesmo. Afinal, poderia dar a impressão que eu estaria sendo mercenário ou que minha atitude não era digna de um médico com mais de 20 anos de formado. Ao deitar para dormir à noite, algo me inquietava e afugentava o sono.

Eu pagara R$ 44,00 ao cabeleireiro e, no mesmo dia, tivera recusado pela paciente uma cobrança de R$ 34,00 referentes a uma consulta médica para avaliar alguns exames, que me orientariam na conduta frente a um diagnóstico de câncer e sua possibilidade de cura.

No mês seguinte, voltei ao salão para cortar o cabelo com um pouco menos de entusiasmo. Considerando o investimento em formação técnica e profissional, proporcionalmente, se eu recebo R$ 34,00 por uma consulta, deveria pagar não mais do que R$ 5,00 para cortar o cabelo conversando com o Lúcio, ele me dizia que fizera um curso de 1 ano em escola de cabeleireiros, que vai anualmente a congressos para conhecer novas técnicas, novos produtos e se atualizar nos cortes da moda. Disse que tem que trabalhar até as 20 horas e também aos sábados. Realmente fiquei orgulhoso em saber que meu profissional é um sujeito atualizado.

Novamente a inquietude me tomou de assalto e não pude deixar de me comparar ao Lúcio. Certamente ele não tem curso superior. Nem tampouco pós-graduação. No entanto, isto não o faz uma pessoa menor. Maneja muito bem a tesoura e a máquina e dá o que o cliente quer: satisfação. Valoriza seu trabalho e investe na profissão .

Voltei a pensar em mim.

Ele está certo. O que motiva então esta comparação entre um médico e um cabeleireiro?

Vejamos: ambos temos clientes. Os dele são mais fiéis do que os meus, pois os meus vieram até mim por intermédio do livrinho do convênio. Os dele são 100% particulares. Nós dois cuidamos da saúde das pessoas, claro que ele cuida dos cabelos e eu do resto. Vestimo-nos de branco impecavelmente. Manejamos a tesoura com habilidade. Está certo que as estruturas que eu corto, normalmente, sangram e doem, mas temos que ter certa habilidade para tanto. Em alguns momentos usamos luvas e máscaras, para nos proteger e até proteger o cliente. Trabalhamos bastante. Às vezes temos que atender em 15 minutos, mas normalmente damos conta do recado, neste período. Precisamos de infra-estrutura como pias, cadeiras, telefone, secretária, agenda, café, revistas, sala de espera, etc. Pagamos impostos sobre o serviço realizado. E quantos…

E nossas diferenças? Bem, fiz a faculdade em 6 anos, após muito estudo para enfrentar um dificílimo vestibular. Diploma em mãos, foi pra gaveta, pois nova prova era necessária para fazer uma especialidade, desta vez com funil ainda mais apertado. Mais 3 anos se foram. Aos meus 27 anos de idade, eu havia passado 1/3 deles na Santa Casa de São Paulo. Daí comecei a trabalhar como plantonista, diarista, funcionário e até professor, para finalmente montar meu próprio consultório. Clientes particulares não existem para médicos pobres mortais da minha geração. Devem estar sendo cuidados pelo IBAMA, para ver se se reproduzem em cativeiro.

O jeito é fazer alguns convênios, pois hoje ninguém que tenha algum recurso financeiro quer ser atendido pelo SUS. E, a julgar pelas moças bonitas e pelos homens de meia idade esbanjando saúde que aparecem nas propagandas, o plano de saúde deve ser uma maravilha. Descobriram a fonte da juventude!

Na outra ponta estamos nós, médicos de meia idade, recebendo valores que variam de R$ 18,00 a R$ 42,00 por consulta para decidir sobre a sua saúde, caro leitor. E não para por aí: se formos falar em cirurgias então, a coisa fica pior. Você pode não saber, mas se o seu plano de saúde te dá direito a quarto coletivo (enfermaria) o médico que faz a sua cirurgia recebe metade do valor combinado. Você deve estar se perguntando porquê? E nós também. Alguns exemplos: uma cirurgia comum como a amigdalectomia paga entre R$ 60 e R$ 85,00 se for plano enfermaria e, pasme, o dobro disto, se for plano apartamento. Isto você não sabia quando fez o plano, não é ? E por aí vai: apendicectomias, partos, hérnias, histerectomias, tireoidectomias pagam em torno de R$ 300 a R$ 450,00 no melhor plano.
E você achava que seu médico ganhava bem, né ?

E os Pediatras, Clínicos, Reumatologistas, Pneumologistas, Cardiologistas que não fazem cirurgias ? Ganham o quê ? Consultas e apenas consultas…

Detalhe importante: cada vez que eu vou ao Lucio, eu pago. Se o paciente voltar em menos de 30 dias, o convênio não paga. Se vier uma ou dez vezes em um mês, o médico recebe apenas uma consulta. E aquela paciente não quis me deixar cobrar uma nova consulta após dois meses, para ver seus exames. Duas consultas por R$ 34,00 sai em média R $ 17,00 cada uma, fora os impostos.

No salão do Lucio também tem manicure e pedicure. Mão e pé sai pela bagatela de R$ 30,00, mas eu não faço lá. As mulheres gastam bem mais em seus cabelos com tinturas, escovas, banhos de óleo, chapinhas, etc e nada disso sai por menos do que….. uma consulta médica. Não que não devam fazer. Acho que devem.

Por Alexrandre Hamam, O Estadão