– Por Juliana Doretto
Nem todos os que tomam esses remédios querem viver sem sofrimento: o que não querem é o sofrimento sem vida.
Todos os dias, de manhã, depois do café, eu procuro uma cartela prateada que fica em cima de meu criado-mudo. Religiosamente, tomo um comprimido. É um antidepressivo. Não tenho vergonha. Estou em tratamento, acompanhada por médico e psicólogo. Não sou mais fraca do que ninguém por ter ingerir a pílula. Não quero tomá-lo para sempre, mas não quero abandoná-lo apenas para provar a alguém que dou conta de tudo. Porque eu não dou.
Em dois meses, meu (ex-)marido me pediu o divórcio de maneira repentina e perdi meu avô, que morreu em casa, após ter ficado gravemente doente durante meses. Dois acontecimentos muito intensos, em período curto de tempo. Procurei ajuda na terapia. Cheguei a ter sessões duas vezes por semana. Um dia, achando que já estava melhor, quis ficar sozinha em casa. Chorei por horas seguidas, passando a noite em claro. Era um desespero sem fim. Dificuldades para respirar. Mãos tremendo. De manhã, me arrumei e fui sozinha ao pronto-socorro. Não sei como cheguei lá. Precisava me acalmar, nem que fosse de modo artificial, com a ajuda de remédios. Nesse dia, percebi, com o auxílio também da terapia, que necessitava mais do que conversa.
Eu estava doente. Mentalmente doente. Houve um desequilíbrio aterrorizador, que me tirou do prumo, que provocou uma queda abissal. Além da crise que me levou ao pronto-socorro, emagrecia continuamente e não tinha poder nenhum de concentração. Escolhi o psiquiatra pelo currículo: procurei alguém com boa formação acadêmica e experiência clínica, mas também pesquisador. Fui orientada a tomar um antidepressivo, com dosagem mínima, e a reforçar os exercícios físicos, além de continuar com a terapia. Faço tudo isso, há quase um ano.
Mas a pílula não me fez parar de sofrer. Chorei muito pela tristeza das perdas, pelo desprezo que senti, pelas mudanças grandes que me assolaram. Passei por períodos de angústia, nervosismo, pensamentos confusos. Houve dias em que não tive vontade de sair de casa, e não saí. Ainda passo por tudo isso, mas em “dosagens” cada vez menores. Voltei a ter mais controle sobre minha vida: tenho rotina de trabalho novamente, pude me mudar para Lisboa (por conta do doutorado), consigo ficar sozinha, lido melhor com a tristeza que ainda vem.
Há pessoas que procuram antidepressivos para tentar evitar a dor, e há médicos que indicam esses medicamentos de modo desnecessário? Certamente, pelo que lemos na imprensa. Mas nem todos os que tomam esses remédios estão fugindo do sofrimento. Eles querem escapar da sensação da falta de ar, do coração acelerado, do choro que não passa nunca, do medo sem motivo que vira companheiro de vida. São pessoas que não querem viver sem sofrimento: o que não querem é o sofrimento sem vida.
Escrevi este texto porque ouço com certa frequência a pergunta: “Ainda toma remédio?”. E, algumas vezes, a questão vem acompanhada de sugestões: “Mas por que você não faz mais exercício, para parar com isso?”. “Já tentou ficar sem tomar?”. “Isso não é mania do médico, não?”. Bombardeada com perguntas assim e me sentindo mais inteira, pedi a meu psiquiatra que tentássemos reduzir o remédio. Ele acatou minha decisão, de forma experimental. Foram dias horríveis…
Eu ainda não estou pronta. Mas estou no caminho. O medicamento me ajuda nisso, assim como a terapia, os exercícios, a família, os amigos, a música, o trabalho, o amor… E também este texto, e todos os outros que venho escrevendo neste espaço. E, por isso, agradeço a sua leitura.
FONTE – Revista Época