Dificuldade crônica para dormir afeta mais as mulheres, apneia do sono é mais frequente em homens.
RIO- Dormir, ao contrário do que descreveu Machado de Assis pelo personagem de Brás Cubas, está longe de ser “um modo interino de morrer”. Aos olhos da medicina, a hora do sono é, isto sim, uma segunda vida que, se mal vivida, pode arruinar o tempo em que se fica acordado. Na edição deste mês dos Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, o pneumologista Carlos Alberto de Barros Franco e a especialista em neurociência Dalva Poyares traçaram o caminho para uma noite tranquila e listaram os sinais de alerta para os que brigam com o travesseiro procurarem ajuda médica. Existem mais de cem tipos de distúrbios do sono, mas há os campeões, como a insônia para as mulheres e a apneia do sono para os homens.
– Sono é um assunto que envolve várias áreas da medicina, mas nós muitas vezes não perguntamos sobre a qualidade do sono ao paciente — disse o cardiologista Cláudio Domênico, coordenador do evento que lotou a Casa do Saber na última quarta-feira, com mediação da jornalista Ana Lucia Azevedo, editora de Ciência e Saúde do GLOBO.
A médica Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do Sono, em São Paulo, referência mundial na especialidade, explicou que o limite para multiplicar os riscos de problemas é dormir menos de cinco horas e meia por noite. A partir deste nível, todos os estudos epidemiológicos são unânimes em afirmar que há 230% mais riscos de desenvolver diabetes, 180% a mais de perigo de hipertensão arterial e 200% mais chances de problemas renais na comparação com pessoas que dormem de seis e nove horas.
– Cada vez dormimos menos, ficamos hipertensos mais cedo e engordamos, temos mais estresse e irritabilidade. Os manuais de endocrinologia já põem, entre as causas de obesidade, a falta de sono — acrescentou a pesquisadora.
A relação entre dormir pouco e engordar é a seguinte: mais tempo desperto leva a um aumento da fome e a maiores chances de comer. Menos sono também dificulta a regulação da temperatura do corpo, que fica mais cansado e passa a gastar menos energia. Mais comida com menos gasto de energia é igual a ganho de peso.
A insônia, uma das queixas mais comuns, afeta entre 10% e 15% da população, mais mulheres que homens. Quem tem insônia ou é privado do sono por outros motivos procura dez vezes mais assistência médica. O bruxismo, quando o paciente fecha a boca com força durante o sono a ponto de desgastar os dentes e ter dor facial, é outro distúrbio dos mais conhecidos, ao lado da síndrome das pernas agitadas.
– Mulheres têm estratégias diferentes para lidar com o estresse. A capacidade de despertar da mulher é maior, pois o cérebro responde de forma diferente, fica hiperalerta, a cabeça não para de funcionar — explicou Dalva. — E estresse é desencadeador de insônia, que geralmente ocorre depois de um evento ameaçador da vida, como um problema grave cardiovascular.
Mas o líder de queixas é a apneia do sono. É uma das patologias crônicas mais prevalentes, mais que diabetes, segundo o pneumologista Barros Franco. Entre 30% a 60% dos homens acima de 45 anos roncam, e parte dos que roncam tem a apneia. Quem sofre da doença tem um relaxamento das vias aéreas superiores, com a queda maior da língua ao dormir. Sem despertar, a pessoa deixaria de respirar e, por isso, o sono reparador passa a ser um sono superficial. Podem haver dezenas de despertares durante a noite, sem que a pessoa perceba.
Atenção para o tamanho do colarinho
A polissonografia é o exame que consegue medir os despertares, a frequência e a eficiência da respiração durante o sono. O apneico do sono nem sempre tem consciência do distúrbio, que tem como sintomas principais o ronco intenso, daqueles que se ouve no quarto ao lado; sonolência diurna a ponto de prejudicar o convívio social — em geral, odeiam cinema, porque dormem durante as sessões —; e a apneia testemunhada. Sobre o último sintoma, geralmente é o parceiro de cama que observa, por isso, na hora de ir ao consultório, é melhor levar o cônjuge.
– Há também os sintomas de ganho de peso e diâmetro de pescoço largo. Homens que usam camisa acima do tamanho 42 têm sinal de depósito de gordura. Pessoas com o queixo para dentro têm mais riscos de apneia do sono, porque há mais chance de queda de língua — explicou.
Entre as formas de tratamento da apneia do sono, é comum o uso de uma máscara que manda ar sob pressão e evita a obstrução das vias respiratórias, conhecida como CPAP e indicada apenas por especialistas.
Tanto Dalva quanto Barros Franco concordam que nem sempre a máscara ou os remédios são a solução. A vida secundária do sono depende do que se faz na rotina acordado e, neste caso, bom comportamento é o que chamam de higiene do sono.
Primeira lição é respeitar o corpo, que é regulado para funcionar de dia e descansar à noite. Dar aos olhos a consciência da luz do dia e a falta dela ao crepúsculo ajuda o corpo na produção regular de melatonina, hormônio que induz ao descanso. O dia todo em ambientes com luz artificial, sem janelas, pode atrapalhar. Álcool pode fazer dormir, mas não um sono de qualidade, que prepara bem para o dia seguinte. Combater a obesidade com alimentação saudável, comer menos à noite e exercitar-se, de preferência, pela manhã, são outras boas ações.
– Malhar à noite é completamente antifisiológico. É importante evitar também café, chocolate e chá à noite, além do álcool como indutor do sono – destaca Barros Franco.