Estudo revelou que, ao contrário do que se pensava, defeito nas representações fonéticas não era o problema de adultos com o distúrbio.
LOVAINA – Cerca de 10% da população mundial tem dificuldade para processar a linguagem escrita e falada, o que, consequentemente, gera problemas no aprendizado. Até o momento, cientistas costumavam achar que o distúrbio, chamado dislexia, seria derivado de um problema na codificação dos sons. No entanto, estudo belga publicado na revista “Science” apontou que defeitos na conexão entre partes do cérebro seria sua principal causa.
Para chegar ao resultado, a equipe liderada pelo pesquisador Bart Boets, da Universidade de Lovaina, na Bélgica, estudou o funcionamento do cérebro de 22 adultos saudáveis e 23 disléxicos por ressonância magnética. Os cientistas utilizaram duas técnicas para tentar mapear as principais diferenças entre as funções dos nervos cerebrais nos dois grupos enquanto respondiam a alguns estímulos de fala.
As representações fonéticas são a forma como os sons básicos de uma linguagem nativa são categorizados no cérebro, e foram o foco do primeiro teste. Para a surpresa dos pesquisadores, o cérebro dos dois grupos não apresentou diferença, o que demonstra que as representações dos disléxicos eram perfeitas.
Em compensação, quando o teste focou na ligação entre as áreas do cérebro, os pesquisadores descobriram que a conectividade estrutural e funcional entre o córtex auditivo bilateral e o giro frontal inferior do hemisfério esquerdo – uma região envolvida no processamento de fonemas – era significativamente prejudicada em quem sofria do distúrbio.
Quanto pior a conexão, pior o indivíduo conseguia ler, escrever e realizar outros testes. O resultado sugeriu que o acesso deficiente às representações fonéticas, e não a qualidade dessas representações, seria o centro da dislexia.
“Uma metáfora relevante pode ser a comparação com uma rede de computadores. Nós mostramos que a informação, os dados, está intacta no servidor, mas a conexão para acessar essas informações é muito lenta ou degradada”, escreveu Boets no artigo.
Apesar da descoberta significativa, o líder da pesquisa afirmou que ainda é muito cedo para dizer quais serão os desdobramentos, já que o estudo foi realizado em adultos e a dislexia normalmente começa na infância. Segundo ele, é possível que as representações, que estavam perfeitas no momento do teste, tenham levado mais tempo para se estabelecer e que os resultados fossem diferentes se feitos com as mesmas pessoas durante a infância.
O artigo ressalta, ainda, que pesquisas e tratamentos com base na dificuldade das representações fonéticas não devem ser abandonados.
“Os resultados dos participantes disléxicos revelam que eles possuem grande dificuldade no domínio de fonemas tradicionais, inclusive de consciência fonológica, memória verbal de curto prazo e acesso léxico. Ainda assim as nossas imagens neurológicas sugerem que não é um déficit na representação que caracteriza a dislexia. Ao invés disso, é uma disfunção na conexão da linguagem frontal e temporal que impede o acesso eficiente das representações dos sons, o que dificulta a habilidade de manipulá-las fluentemente”.
O melhor caminho para ajudar crianças com dislexia, diz Boets, continua sendo instruções sobre a correspondência entre os fonemas e as letras do alfabeto.
FONTE – O Globo