Em artigo publicado no jornal A Tarde, em 2007, Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e Diretor Clínico da Holiste, alerta sobre os perigos delegar o cuidado de doentes mentais a pessoas sem o devido preparo para tal.
*Por Luiz Fernando Pedroso.
O padre Lancellotti nega que teve um caso com o bandido. Este, afirma o contrário. Difícil mesmo é explicar de onde saiu o dinheiro para o padre ficar pagando carrões e mordomias para o fora da lei. Além de receber elogios do presidente Lula e quantias milionárias do governo para suas ONGS, o padre Lancellotti também recebe, há décadas, como funcionário da FEBEM em São Paulo. Pois bem: há mais de 20 anos eu também recebia. Era médico psiquiatra numa unidade de infratores de altíssima periculosidade. Foi quando vi que as visitas do padre Lancellotti provocavam muita indignação nos trabalhadores da instituição.
Eram gente simples, que ingressavam na FEBEM cheios de boas intenções. Mas, passados alguns meses de provocações diárias, violência e chantagens, estavam estressados, agressivos ou vendidos aos menores. Estes, com idade variando de 12 a 17 anos, já tinham cometido vários roubos e homicídios. Em suas mãos, toalhas e lençóis viravam cordas, sabonetes transformavam-se em réplicas de armas verdadeiras e as escovas de dente viravam estiletes. Sua cultura era de violência e mentira. Os monitores, que tinham um contato mais direto com eles, não recebiam nenhum treinamento para o manejo do jogo psicopático. Os técnicos, fracos e inexperientes, mostravam produtividade empenhando-se em desinternar o menor que logo retornava com mais crimes nas costas. O diretor da unidade era um ex-vendedor de sapatos colocado no cargo por ter sido cabo eleitoral de alguém do PMDB, então representado no governo estadual por Franco Montoro.
Quando o padre Lancellotti aparecia por lá, os menores se alvoroçavam. Sua presença os estimulava a investir contra as regras disciplinares. Ele pregava um evangelho no qual esses psicopatas eram vítimas da sociedade e deviam a agredi-la para que se tornasse mais justa. Nessa paródia católica das teses marxistas, a marginalidade substituiria a classe trabalhadora como motor revolucionário e a inveja alcançava status de ideologia. Na cabeça do padre, a instituição era vilã, assim como todos os que nela trabalhavam. Os discursos políticos democráticos, ainda com o frescor do fim da ditadura militar, eram colocados na boca dos menores para justificar seus mais hediondos crimes. Assim, semeando a “revolução na Febem”, o padre Lancellotti estimulava as rebeliões que se sucediam diante de funcionários atônitos, impotentes e penalizados.
Qualquer profissional de saúde mental sabe a complexidade de se lidar com pessoas com transtorno de personalidade. São pessoas hábeis nas manipulações das relações e nos usos perversos dos afetos. O psicopata recusa o terapeuta e busca o advogado ou o político. Ele usa da ameaça e da sedução, da denuncia e do suborno. É preciso estudo, treinamento pessoal e condição psicológica para não cair nessas armadilhas. Isso não é para leigos, mas para profissionais qualificados. Essa não é uma população adequada para proselitismos político religiosos.
Para a sociedade, pouco importa quais mistérios picantes possam ser revelados sobre a relação do padre com o bandido. Mais importante é perceber de onde veio o ovo da serpente, o despreparo das pessoas que lidam com isso e que de alguma forma vêm formando a opinião pública nos últimos anos, de maneira a colocá-la a favor do criminoso e contra os órgãos de segurança. Finalmente, o revolucionário de porta de cadeia descobriu que bandido é bandido. Oxalá a sociedade influenciada por esse tipo de religioso também descubra.
*Médico Psiquiatra, Diretor Clínico da Holiste e que já atuou na FEBEM de São Paulo.