O jornal A Tarde publicou, na última sexta-feira, o artigo do psicólogo e coordenador do Programa de Dependência Química da Holiste, Pablo Sauce, sobre a política de combate e repressão às drogas no Brasil. Confira o artigo completo.
“No meio do caminho… A sopa de pedra”
A moeda de troca que alimenta a política sobre drogas no Brasil tem no seu anverso a figura da “guerra às drogas”. Com seu ideal de “repressão” e sua cara “anti” crack, tem um viés declaradamente proibicionista. Sob o princípio de que é a droga que faz o adicto, confunde o usuário com a própria droga e promove como solução impedir aos jovens o acesso a esta; considerando-os, a priori, incapazes de se responsabilizar pelas consequências de seus atos.
Essa política segregacionista tem produzido seu próprio reverso, na figura da “redução de danos”, de caráter liberacionista, ou anti-proibicionista, e respeitoso dos direitos individuais. Sob o princípio de que é o adicto que faz sua droga – e não o contrário – foca nos riscos produzidos pelos efeitos colaterais da adição em se satisfazer sem limites. O alvo é a segurança e a avaliação de riscos (contágio, violência, etc.), respeitando os modos de satisfação de cada um.
Sem dúvida, trata-se de uma boa alternativa, com a condição de não fazer dela um instrumento de outro ideal que já deu tantos sinais de fracasso, como o da “repressão”. Trata-se da esperança hiper-liberal, que achava possível confiar somente nos mercados para regular a droga, bem como qualquer outro objeto de satisfação.
Se no primeiro caso temos a interdição generalizada do direito ao modo de satisfação de cada um, no segundo corremos o risco de cair na tendência ao consumo desenfreado, sem considerar a especificidade de cada droga. De um lado, a desresponsabilização indiscriminada dos usuários; do outro, o risco da suposição de uma autodeterminação a priori do indivíduo, não poucas vezes insuficiente ou inexistente.
Se por uma parte o fracasso dos tratamentos autoritários das drogas nos revela sua ineficácia, por outra nem os ideais de uma economia totalmente liberal, tão pouco os protocolos universais de regulação demonstram efetividade no tratamento; ao contrário, testemunhamos cada vez mais a existência de indivíduos adictos, sem interessar muito o seu objeto de satisfação.
Não acho que exista uma solução universal para lidar com as pedras no meio do caminho, sejam estas de crack, kryptonita ou do que forem; teremos que passar necessariamente pela multiplicidade de soluções e considerar os efeitos da droga em sua especificidade, se quisermos fazer com ela o que nosso frade português conseguiu em sua lendária peregrinação: uma verdadeira sopa de pedra.
Para concluir, só por hoje, é preciso passar da guerra às drogas para os temas que realmente devem interessar, como a liberalização relativa ou a legalização das drogas que podem efetivamente ser legalizadas, discutindo as drogas uma por uma, e a forma de tratá-las da melhor maneira.
*Pablo Sauce é psicólogo, psicanalista e coordenador do Programa de Dependência Química da Holiste.