O papel do “fazer algo” para a construção de nossa identidade é ponto de partida para a discussão proposta pela terapeuta ocupacional Lívia Brandão no artigo “Se ocupar para que?”, publicado no jornal Correio.
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Por que será que o ser humano tem necessidade de se ocupar? Por que temos que estar em atividade, produzindo o tempo inteiro? Dentre as muitas exigências do mundo contemporâneo, espera-se que tenhamos uma ocupação produtiva. Fomos educados para “fazer algo”. Quando criança, brincávamos e, depois, aprendíamos. Mais adiante, trabalhamos para ter coisas, adquirir bens, patrimônio, etc. A ocupação forma a nossa identidade em um mundo que se organiza ao redor do valor produzido pelo trabalho.
Mas, o que ocorre quando deixamos de produzir algo? É comum que algumas pessoas, diante da falta de ocupação, seja ela laboral ou de outra ordem, com geração de renda ou não, adoeçam ou se tornem disfuncionais. Nesse contexto, a aposentadoria pode desencadear alterações emocionais e influenciar, de modo singular, a atuação social do idoso. Para Witczak, o afastamento do trabalho e a aceitação da aposentadoria podem gerar sentimentos antagônicos, uma vez que o sujeito se depara tanto com o medo de que sua vida perca sentido, quanto com o sentimento de liberdade em poder utilizar o tempo da forma como escolher, sem os compromissos e objetivos que a vida laboral já trazia bem definidos.
Compreendemos a identidade ocupacional como a expressão de vários aspectos da natureza humana, em interação com o contexto ao qual o indivíduo pertence, desenvolvida ao longo do curso de sua vida. Segundo Rudman e Dennhhart, ela é um meio crucial, a partir do qual as pessoas alcançam significado e propósito na vida. A ocupação é uma necessidade humana básica, que oferece significado para a vida. Sob essa premissa, a Terapia Ocupacional defende que ocupar-se é terapêutico, considerando-a um recurso potencializador do fazer humano, bastante eficaz no tratamento dos transtornos mentais. Nessa perspectiva, associamos a ocupação à saúde mental, bem-estar, ressignificação da vida, criação de novos laços sociais. Trata-se de um modo de criar e produzir subjetividade, a partir de uma nova forma de se relacionar com o seu “fazer”.
A ideia de se ocupar abre perspectivas para que o indivíduo esteja em constante atividade, adaptando-se ao contexto, circunstâncias e desejos pessoais. Quando paramos, deixamos de produzir sentidos, interesses, ambições, curiosidades. Desocupados, tudo se torna desinteressante e sem graça, ficamos esquecidos e inoperantes diante do tempo e espaço.
Pessoas são lembradas pelo modo como se ocuparam de tarefas e pelas ações importantes que realizaram para si e para os outros. Quem se ocupa se apropria da vida, descobre ações, funções, utilidades, vive experiências nas mais variadas formas e épocas, redesenhando e eternizando sua história.