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O que corto quando me corto? Daniela Araújo

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Casos de Automutilações podem ser um sintoma de que algo não está bem.   Em artigo publicado no Jornal A Tarde, a psicóloga Daniela Araújo, coordenadora do Núcleo InfantoJuvenil da Holiste, fala sobre a importância de entendermos melhor esse fenômeno social.  Confira o artigo completo.


O que será que me dá, que brota à flor da pele? O que será que será, que corto quando me corto? Estas torções da música de Chico poderiam ser perguntas dirigidas àqueles que se automutilam. As automutilações são, hoje, um fenômeno social que insiste em se repetir entre os jovens. Escarificação, escarnificação, corte, nomes do mesmo: o ato de provocar incisões sobre pedaços do corpo, sobre a própria pele.

Os cortes atravessam as distintas estruturas psíquicas. Eles não apenas acontecem em indivíduos psicóticos que, por vezes, precisam sentir o próprio corpo ou construir os limites do mesmo por via de escarnificações. Tampouco consideramos esses atos apenas como tentativas de chamar atenção e pronto. Há uma comunicação nas entrelinhas que precisa ser lida.

De modo geral, em psicanálise, entendemos que o que insiste em se repetir pode ser tomado como um sintoma, uma forma de defesa às marcas que são traumáticas para um indivíduo. Sendo assim, o sintoma é algo que deve ser cuidado, e não imediatamente extirpado. Os cortes podem ser interpretados como sinais de um sintoma atual, que guarda relação com os novos modos culturais de manifestar o mal-estar no corpo.

Ao percebermos a presença de um sintoma, entendemos que aquele que apresenta um corpo marcado provavelmente se deparou com algum conteúdo psiquicamente insuportável, precisando recobri-lo desta forma. O sintoma é uma forma, tal qual um corte faz formas, impulsivas e substitutivas, para não precisar lidar tão diretamente com o que dói. Portanto, o que será que me dá, que todos os meus nervos estão a rogar? Quais as formas com as quais os jovens, na contemporaneidade, se servem como expressão da sua subjetividade?

Diante da carne cortada e sofrida, parece que quem fala agora é o corpo entrecortado, e não mais o ser falante. Se antes o discurso se articulava mais facilmente a nível simbólico, por via de palavras, de demandas de ajuda mais claramente dirigidas a um outro, agora recorre-se à carne, escarificando-a. Comumente escutamos pacientes afirmarem que frente à sensação de uma angústia solta, inominável, obtêm-se nas mutilações uma inicial localização da dor e um alívio subsequente, recurso “precário” que funciona como solução e tentativa de extrair o que os faz sofrer.

Os que trabalham com a psicanálise, mesmo reconhecendo a atual indisposição ao diálogo, continuam apostando na palavra para abordar essas expressões do sofrimento, desde que dirigida ao que subscreve o ato de se cortar. Logo, em época onde imagens e virtualidades devoram as palavras, não custa se perguntar e colocar em cheque, no caso a caso, aquilo que bole por dentro… o que será, que será?

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Artigo publicado no Jornal A Tarde (30/06)

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