Em artigo publicado no jornal A Tarde (25/10/2017), Daniela Araújo, psicóloga da Holiste, avalia o papel do luto em nossas vidas, e as dificuldades que muitas pessoas enfrentam ao lidar com ele. Confira o artigo completo.
Ao contrário do que muitos possam imaginar, sobre perdas e mortes é preciso falar. Perdas de familiares, amigos, animais de estimação, trabalho, amores, dentre outras, podem causar repercussões devastadoras ou até paralisar a vida de alguém. Não é incomum recebermos pacientes com queixas de desânimo, desinteresse, dificuldade para cumprir rotinas, concluir cursos, ou até para amar. Sem perceber com clareza, num primeiro momento, eles relatam estar “parados no tempo”, paralisados subjetivamente frente a um luto ainda não elaborado. São pessoas que tiveram esta marca traumática – recente ou não – rechaçada, não tratada adequadamente. Não por acaso, dela aparecem os efeitos e podem ainda estar associados a sintomas no corpo ou até desencadear desordens mentais mais sérias.
Segundo Freud, possuímos certa dose de capacidade para o amor – denominada libido – que, nas etapas iniciais do desenvolvimento psíquico, é dirigida ao nosso próprio eu. Mais adiante, essa libido é desviada do eu para objetos externos, como pessoas, trabalho, ou animais. Se estes objetos forem destruídos ou ficarem perdidos, nossa libido será mais uma vez liberada e poderá substituí-los por outros objetos, ou mesmo retornar temporariamente ao eu. Entretanto, a libido pode se apegar aos seus objetos e não renunciar imediatamente àqueles que se perderam, mesmo quando um substituto se acha à mão. Assim é o luto.
O luto é a reação a perdas significativas. O processo de desligamento da libido de seus objetos perdidos não é fácil. Freud já dizia que embora o luto envolvesse graves consequências para nossas vidas, somos inclinados a pensar que ele não seria uma condição patológica, assim como que não precisaríamos submetê-lo a um possível tratamento. Tende-se a confiar que possa ser superado após certo tempo e chegam a julgar inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele. Entretanto, mesmo que estejamos advertidos da transitoriedade das coisas no mundo, em muitos momentos a mente humana tende a recuar frente ao que lhe pode ser penoso.
Silenciar o luto não o soluciona. Ele pode apontar o momento de buscar um tratamento. A elaboração de um luto é um processo que se dá por via da recordação e repetição de lembranças que cercam a perda que foi traumática. Enquanto profissionais da palavra, levamos os pacientes a falarem das suas desordens, principalmente do que tange os objetos perdidos. Não há, contudo, um tempo mínimo nem máximo para tal. Para cada um, para cada situação, cada marca, haverá um tempo próprio de elaboração. Em lugar de calar a morte, o dar a voz aparece como manejo essencial para que se possa, enfim, atravessar um luto e se permitir viver algo (de) novo.
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*Daniela Araujo é psicóloga da Holiste.