No artigo publicado no jornal A Tarde, a psicóloga e coordenadora do Núcleo Infantojuvenil da Holiste, Daniela Araújo, avalia a relação entre os tempos hipermodernos e os crescentes diagnósticos de TDAH em crianças e jovens.
“Atualmente, o número de crianças e jovens diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) e Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem aumentado cada vez mais. Dentre eles, o TDAH tem sido bastante discutido dada a sua prevalência no contexto escolar. Essa sigla nos dá algumas pistas: há um déficit, que sugere falta de atenção e um excesso de atividade.
O filósofo francês Lipovetsky instituiu o termo “hipermodernidade” para definir o momento em que vivemos. Segundo ele, há, em nossa cultura, uma tendência ao consumo em demasia. Em tempos hipermodernos, os excessos estão a postos e os objetos de consumo pululam em nossas mãos. Corre-se o risco de expormos nossos filhos ao excesso, sem lhes apresentar às carências, vazios. Ofertamos brinquedos, telas e compromissos; se os expomos a tantas coisas, como querer que concentrem sua atenção em apenas um objeto, tarefa ou pessoa?
Lacan, psicanalista francês, em seu texto Notas sobre a criança, estabelece os pontos fundamentais da análise infantil, dentre os quais sinaliza que o sintoma apresentado pela criança é, em verdade, o sintoma dos pais. Isso nos permite entender que o que aparece no filho denuncia o que não vai bem no seu contexto familiar, não sendo necessariamente uma questão genuína da criança.
A vida moderna nos insere em uma rotina de muitas atribulações, fazendo com que algumas relações se tornem cada vez mais distanciadas, dentre as quais sublinho a de pais e filhos. Para citar um exemplo, destaco os familiares comprometidos com uma tripla jornada de trabalho, hipnotizados por suas telas quando retornam às suas casas no fim do expediente. Percebe-se que parte das crianças diagnosticadas com TDAH não tem sido tão olhada pelos seus pais no dia-a-dia, em que a troca de palavras e o tempo de brincarem juntos se tornaram escassos. Identificamos, assim, um déficit da atenção por parte dos pais em relação aos seus próprios filhos.
A experiência clínica nos mostra que, em muitos casos, o processo de análise favorece que a criança crie um sintoma próprio, uma defesa psíquica singular frente ao seu mal-estar, sem que seja preciso denunciar questões parentais com seu sintoma. Diagnósticos, inevitavelmente, carregam o peso de um nome que tem a função de identificar, alojar, dar um lugar simbólico às pessoas. No curso do tratamento, espera-se que o paciente não fique identificado ao transtorno, podendo criar e sustentar a sua própria identidade. Nessa perspectiva, não será o TDAH uma nomeação pautada em uma identificação arriscada? Mais ainda; antes de diagnosticar, será que não é importante interrogar, afinal, de que lado o déficit está?”