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A cubanização da medicina brasileira

Por LUIZ FERNANDO PEDROSO

O governo do PT sabe o que faz, já os médicos nem tanto. Ao trazer milhares de médicos cubanos para regiões miseráveis do Brasil, a presidente Dilma está trazendo milhares de cabos eleitorais para sua reeleição em 2014. É o “bolsa médico” que, exceto por chamar de médico quem não fez o Revalida, ninguém com juízo deveria combater, pois seria como se opor à cesta básica pela falta de caviar. Afinal, nem todo mundo pode se tratar no Hospital Sírio Libanês como ela e Lula. E além do mais, pobre adora “tirar pressão”, que é ainda mais barato que distribuir dentaduras.

O que os médicos relutam em reconhecer é que a vinda dos cubanos é muito coerente com a utopia totalitária e populista do SUS. Gestado pela tecnocracia do regime militar, o SUS é a expressão da centralização e expansionismo estatal daquele regime.  A ideia de “sistema único” começou com a fusão dos antigos Institutos de Aposentadorias e Pensões para criar, em 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em 1977, com o objetivo de unificar a previdência e a assistência médica no Brasil, ele é transformado no Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), ampliando a assistência à saúde para todos que possuíam carteira de trabalho. Quem ficava de fora, era assistido pelas Santas Casas e outras instituições filantrópicas. A ideia de estender a assistência para todos veio da esquerda acadêmica, influenciada pela experiência dos comunistas italianos. Naquela época, nem toda a esquerda pegava em armas. Uma parte, capitaneada pelo antigo Partido Comunista Brasileiro, tinha como estratégia infiltrar-se e aparelhar o “estado capitalista” para reformá-lo de acordo com sua ideologia. Assim é que, desde os anos sessenta, ela se organizava nos departamentos de “Saúde Coletiva” das universidades e já tinha emplacado a carreira de estado de Médico Sanitarista. Com a crise financeira do INAMPS e o enfraquecimento político dos militares, ela ganha influencia na burocracia estatal e dá o tom “de participação popular” que iria caracterizar a saúde pública nos anos seguintes. Ao fim da ditadura militar, seu ex-líder e então presidente da república, José Sarney, abre a VIII Conferencia Nacional de Saúde aplaudido pela militância de esquerda. A saúde pública, então, virou “movimento social”, o INAMPS virou SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde) que depois virou SUS (Sistema Único de Saúde), festejado apoteoticamente na constituinte de 1988. Foi aí que, romanticamente, a seguridade social virou “direito social”, o que, na prática, significou a multiplicação de promessas demagógicas e preocupação zero com os custos.

Mas a realidade cobra o seu preço da utopia. Carente de mecanismos de financiamento e gestão, essa pretensão mítica de um sistema de saúde “único” e estatal, capaz de redimir toda a sociedade brasileira de suas carências e desigualdades históricas, só se manteve através de medidas arbitrárias e autoritárias. As tentativas de criar impostos como a CPMF, de quebrar patentes de medicamentos, de transferir responsabilidades estatais para o setor privado de saúde, bem como a precarização das relações de trabalho, a supressão da competitividade, o excesso de regulamentação e de burocracia sempre foram as marcas desse sistema que nunca teve a liberdade como um valor. Não é estranho, portanto, que agora o governo queira determinar onde os médicos devem trabalhar, quanto devem ganhar, que especialidades devem fazer e onde devem ser abertas escolas de medicina.

Os maiores críticos do SUS não foram os médicos, mas os mais de 60 milhões de brasileiros que aderiram aos planos de saúde privados. Hoje, eles fazem parte da cesta básica da classe média brasileira e infalivelmente são reivindicados por sindicatos e associações de funcionários públicos inclusive, pasmem, pelos próprios operadores do SUS. Por pior que sejam, eles mostram a pluralidade de uma sociedade que preza o direito de escolha e que espera soluções compatíveis com a democracia.

* Luiz Fernando Pedroso é Médico Psiquiatra, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do Espaço Holos e International Member of American Psychiatric Association. Texto exclusivo para este site.