O surto psicótico é um episódio de desorganização da representação da realidade que pode estar presente em diferentes transtornos psiquiátricos, oferecendo risco aos pacientes e pessoas próximas.
Algumas pessoas podem passar por um único surto psicótico na vida, outras podem desenvolver episódios psicóticos mais de uma vez. Para explicar mais sobre o assunto o psiquiatra Luiz Fernando Pedroso, diretor clínico da Holiste, participou do programa Sinta-se Bem da Rádio Sociedade.
QUEM PODE DESENVOLVER UM QUADRO PSICÓTICO?
Qualquer pessoa pode apresentar um episódio de surto psicótico em algum momento da vida. São vários os motivos que podem levar ao desenvolvimento de um quadro deste tipo; porém, as pessoas que sofrem de estresse intenso, de transtorno bipolar, de transtornos de personalidade do tipo paranóide (paranoia), narcisista, esquizotípica ou borderline, podem ter uma propensão maior. Estes surtos ocorrem, com maior frequência, entre os 20 e 30 anos.
Para Dr. Luiz Fernando o desenvolvimento do surto não é totalmente previsível, mas é possível identificar os fatores de risco desde a infância e tomar medidas preventivas: “A predisposição genética é uma coisa muito importante, boa parte dessas doenças tem componentes hereditários muito fortes. Mas, genética não é destino, é probabilidade. A pessoa pode ou não desenvolver a doença, ela pode ter uma fragilidade prévia, mas vai desenvolver a depender dos gatilhos, do estresse, dos fatores desencadeadores. Outros podem ter uma genética mais forte e já desenvolver sem nenhum tipo de gatilho. Então, é variável. Agora, a doença mental existe também na infância, e um dos sinais mais relevantes para você ver na infância é o rendimento escolar que a gente negligencia muito. Se uma criança tirar notas baixas e repetir de ano, com a baixa qualidade das nossas escolas a gente se acostuma com isso; mas esse pode ser o indicador de que algo não vai bem”.
SINTOMAS
O surto psicótico pode afetar uma pessoa repentinamente, representado por sintomas como delírios e/ou alucinações, comportamento desorganizado, oscilações de humor etc. – “Os sinais não são difíceis de ver. A pessoa percebe que algo não vai bem, que a coisa está saindo do controle e que o indivíduo está descompensado, com seu senso de realidade alterado. Então, as pessoas veem que tem uma agitação em curso. O que falta não é identificar o surto, mas compreender a natureza dele, as limitações e abordagens” – aponta o psiquiatra.
É importante salientar que os surtos psicóticos não acontecem de uma hora para outra, eles vão sendo anunciados paulatinamente. Uma pessoa que entra numa escola, boate, e sai atirando em todo mundo não toma este tipo de atitude de uma hora para outra. Esses sintomas vão se desenvolvendo, o doente vai dando sinais e as pessoas não dão a devida atenção, elas negam o que veem. Quando a situação aparece de forma gritante, extraordinária, é exatamente porque foi negada a existência da doença mental.
“A situação de desassistência de saúde mental que a gente encontra hoje é grande. O mais grave ainda é a lamentável falta de medicamentos no serviço público, porque você tem os programas de auto custo que deveriam fornecer medicamentos gratuitos para a população mais carente, para justamente impedir surtos psicóticos e evitar novas internações. Porque se via antigamente que muitos pacientes viviam sendo reinternados por que não tinham dinheiro para comprar medicamentos, e na medida que o governo deixa o medicamento faltar o paciente volta a surtar” – explica Luiz Fernando.
SURTO PSICÓTICO X USO DE DROGAS
Não se sabe ao certo a relação entre o surto psicótico e o uso de drogas. Pessoas que não possuem nenhum tipo de psicose podem apresentar episódios de surto ao utilizarem drogas e outras substâncias psicoativas. No caso do álcool, a crise só ocorre quando consumido de forma excessiva, podendo entrar numa agitação psicomotora, de forma desorganizada, agressiva. O surto pode ocorrer em pessoas que utilizaram a substancia pela primeira vez, nesses casos, só ocorre um surto se o indivíduo tiver uma predisposição à doença.
O abuso de drogas pode produzir surtos psicóticos, como acontece também o inverso. Pessoas doentes, psicóticas, deprimidas, que fazem uso da droga e de forma abusiva podem se tornar um dependente químico.
TRATAMENTO
O tratamento é definido a partir da avaliação de um profissional especializado, que irá identificar casos de doenças hereditárias na família, como a esquizofrenia por exemplo, assim como eventos estressores ou fragilidades emocionais próprias do paciente que possam ter desencadeado o surto. Estabelecido o diagnóstico, é possível definir o melhor tratamento para o indivíduo: “As novidades no tratamento são as medicações de última geração, são os tratamentos de neuroestimulação, por exemplo, a estimulação magnética transcraniana. E agora estamos fazendo uma estimulação magnética transcraniana profunda, que são os recursos terapêuticos novos. Mas, as novidades não necessariamente são mais eficazes do que as medicações tradicionais; elas ganham mais em termos de tolerabilidade, tem menos efeitos colaterais, e são menos incômodas de serem usadas, mas não necessariamente mais eficazes”- aponta o psiquiatra.
A doença mental é multifatorial, ela tem um componente biológico e psicológico/ social, sendo mais eficaz uma abordagem multidisciplinar, principalmente nos casos agudos onde é necessário internar o doente para lhe proporcionar uma assistência intensiva. “O paciente tem que ser atendido por uma equipe, por médicos, por psicólogos, por terapeutas ocupacionais, acompanhante terapêutico etc., porque não é só debelar a psicose, mas promover a reinserção social do doente, a reconstrução dos laços familiares e afetivos que foram desgastados pela doença, para que aja a adaptação completa e a desadaptação não funcione como um gatilho para um novo surto” – finaliza o psiquiatra.
Ouça a entrevista completa do programa Sinta-se bem: