Em entrevista ao Metrópole Serviço e Saúde, Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e Diretor Clínico da Holiste, falou sobre o fechamento dos manicômios judiciários, último estágio da reforma psiquiátrica.
A reforma psiquiátrica, posta em curso no Brasil através da lei Paulo Delgado, de 2001, propõe o fim dos hospitais de internação psiquiátrica na rede pública para dar lugar a um novo formato de tratamento em hospital dia, os chamados CAPS (Centro de Atenção Psico Social). Em sua última fase, está previsto o fechamento dos manicômios judiciários, também conhecidos como hospitais de custódia (HCTs), que é o destino das pessoas que cometeram algum crime e foram diagnosticadas com algum transtorno mental.
Para esclarecer as questões relacionadas ao tema, Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e Diretor Clínico da Holiste, concedeu uma entrevista ao programa Metrópole Serviço e Saúde, da Rádio Metrópole:
“Quando a gente fala de manicômio judiciário, nós estamos falando de uma população muito específica dos doentes mentais. Uma população minoritária, inclusive, mas de grande relevância social pelos riscos que podem trazer, porque são pessoas com grande nível de periculosidade, pela própria patologia, pelas alterações de personalidade e de caráter, e porque cometeram crimes.” – explica Luiz Fernando.
Assista a entrevista completa:
RISCO SOCIAL
Para o especialista, a resolução 487 do CNJ, promulgada pela Ministra Rosa Weber em fevereiro desse ano, é um retrocesso que coloca toda a população em risco, inclusive aqueles que hoje se encontram internados nos HCTs. Isso porque muitos desses infratores são portadores de transtornos mentais graves, que não poderiam ser tratados corretamente através dos CAPS e, em alguns casos, tratam-se de transtornos para os quais não existe tratamento eficaz, como os psicopatas.
“Me parece uma resolução que não tem nem pé, nem cabeça. Não tem qualquer propriedade técnica. Me parece uma coisa absolutamente ideológica. Estranho que isso tenha sido assinado por uma ministra do Conselho Nacional de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, Dra. Rosa Weber, (…) e sem nenhum fundamento do ponto de vista da Saúde Mental.
Do ponto de vista técnico, da abordagem da Saúde Mental, é uma barbaridade com muitos perigos para a sociedade.” – esclarece o psiquiatra.
INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA
Uma vez fechados os manicômios judiciários, para onde iriam esses doentes? Segundo a resolução assinada pela ministra, essa população seria absorvida pelo SUS, através dos CAPS. Mas, Luiz Fernando aponta que tal solução é um erro, por dois motivos: primeiro, porque o SUS não está estruturado para absorver a atual demanda de tratamento em Saúde Mental, e a inclusão desses mais de 4.000 indivíduos que hoje estão internados em HCTs pioraria ainda mais o quadro; segundo, porque não é possível tratar em hospital dia quadros clínicos com indicação de internação.
“Não há nenhuma possibilidade. A pessoa que tem periculosidade na grande maioria das vezes se recusa a ir para o tratamento em hospital dia, e quando vai põe em perigo os técnicos, as famílias, os vizinhos (…).
Ela imagina, não sei de onde, que uma abordagem em hospital dia substitui uma internação em hospital psiquiátrico. Um remédio ou uma abordagem terapêutica possuem indicações específicas, uma não substitui a outra. Na Holiste nós temos internação integral, hospital dia, ambulatório, residência terapêutica e uma coisa não substitui a outra.” – pontua o especialista.
CRACOLÂNDIAS
Outro problema abordado durante o programa foi o das cracolândias que existem em toda grande cidade do país. Também resultado dessa política fechamento de leitos públicos de internação, esses dependentes químicos passam a ocupar o espaço público por não possuírem um local onde possam receber o tratamento adequado para seus transtornos.
Luiz Fernando acredita que essa situação também sofre influências político-ideológicas, pois deixar dependentes expostos nas ruas vira uma causa de ativismo social, de disputas políticas e de manipulação desses doentes:
“Essa turma usa essa população desvalida, essa população na rua, exibida ali naqueles farrapos humanos para explorar politicamente, fazer uma denúncia da sociedade injusta, racista, capitalista, seja lá o que for – qualquer causa. (…)
Não se discute ou não se resolve na questão do tratamento para não ter que tirar mesmo, para deixar ali e fica anos! Como é que se justifica, nas nossas grandes cidades, você ter bairros onde os moradores saudáveis, que pagam impostos, têm seus negócios, têm que conviver com aquilo?” – afirma Luiz Fernando.
SAÚDE MENTAL NO SISTEMA PÚBLICO
Na avaliação do psiquiatra o problema atual é crítico, e fechar os hospitais de custódia seria um erro que só causaria ainda mais problemas para a rede pública de saúde, que não está preparada para tratar desses infratores com transtornos mentais.
A falta de investimento em leitos públicos dificulta o acesso ao tratamento correto, colocando toda a população em risco. Mas, o especialista pontua que o problema não é uma exclusividade da Saúde Mental, mas de todo o conceito por trás do funcionalismo público:
“Se a gente estender mais o horizonte a gente vai ver que o que é do serviço público que funciona bem? Educação? Saúde, em geral? Estradas? Eu acho que a disfuncionalidade do serviço público é enorme em todas as áreas. (…)
Você tem um Brasil que está bem, um Brasil que dá certo, que é o Brasil da iniciativa privada, o Brasil do mercado, das pessoas que se cuidam, que investe em sua saúde mental, tem seus planos de saúde, pagam seus tratamentos, estão preocupadas com seu desenvolvimento e em ficar bem. E você tem um outro Brasil, que fica dependendo de governo, de político, de políticas públicas, etc. Eu acho que se a gente insistir no Brasil que dá certo a gente tem um bom futuro.” – finaliza Luiz Fernando.