Por LUIZ FERNANDO PEDROSO
Na semana passada, em Brasília, lideranças expressivas da psiquiatria brasileira condenaram veementemente a reforma psiquiátrica que está sendo implantada no Brasil. Foi durante o XXVI Congresso Brasileiro de Psiquiatria no simpósio de Ética, Direitos Humanos e Políticas Públicas de Saúde Mental coordenado pelo professor Valentin Gentil, da USP. Ali ouvi que o fechamento dos hospitais psiquiátricos reduziu para 38 mil a oferta de leitos especializados do SUS. Ouvi também que a nossa população carcerária está em torno 500 mil detentos, dos quais 15 a 20% sofre de algum tipo de doença mental grave. Estima-se, então, que 70 a 100 mil doentes mentais estão nos presídios brasileiros, de onde concluem as ilustres lideranças que a reforma implementada pelo Ministério da Saúde fez da penitenciária o maior hospital psiquiátrico do Brasil. O professor Valentin insiste ainda em dizer que mendigo nas ruas (ou morador de rua como querem alguns) é omissão de socorro, pois a maioria deles são, sem dúvida, doentes mentais desassistidos. CAPS não substituem hospitais psiquiátricos. Por isso, enquanto o governo fecha os hospitais do SUS, aumenta vertiginosamente a oferta de leitos psiquiátricos em instituições particulares.
O eletrochoque é outro tema emblemático da reforma. Em setembro passado, durante o XIV Congresso Mundial de Psiquiatria ocorrido em Praga, na República Tcheca, assisti a várias conferências sobre a importância desse tratamento, sobretudo na abordagem das depressões em mulheres grávidas, idosos e doença de Parkinson. Aqui, o SUS não só não paga esse tipo de procedimento como rebaixa a classificação de hospitais que o utilizem. Para reverter esse quadro, a Associação Brasileira de Psiquiatria apóia o projeto de lei do deputado Germano Bonow, do Rio Grande do Sul, que obriga o SUS a incluir a terapia do eletrochoque entre os seus procedimentos. Mas, contrariando as evidências científicas, os coordenadores da área de saúde mental do Ministério da Saúde resistem. É uma “questão ideológica” dizem eles.
Ideológica também deve ter sido a lavagem dos “Portadores de Transtornos Mentais do Centro Docente Assistencial de Narandiba” ocorrida esta semana em repúdio aos “antigos tratamentos” de hospitalização e eletrochoque. Como trabalho com internações e eletrochoque há quase trinta anos, creio que também não teria dificuldades em reunir um significativo número de pacientes numa passeata em defesa do livre acesso de todos a esses importantes recursos terapêuticos. Mas o pudor me impede de usar pacientes para causas políticas. E ainda que eu tentasse, eles me mandariam às favas, pois têm mais o que fazer. Afinal, a maioria dos que se trataram estão por aí ocupados construindo prédios, dando aulas, exercendo a medicina, advogando, dirigindo empresas. Foram politicamente incorretos, mas passam muito bem, obrigado.
* Luiz Fernando Pedroso é médico Psiquiatra e Diretor Clínico do Espaço Holos. Texto publicado pelo Jornal A Tarde em 28/10/2008