Por LUIZ FERNANDO PEDROSO
É falsa a crença de que drogas fazem mal à saúde. Elas podem salvar vidas como os antibióticos, os analgésicos e os anti-inflamatórios. E podem produzir muito prazer como álcool, tabaco, cocaína, canábis etc. E todas elas podem matar e destruir. Como diz o velho adágio, a diferença entre o veneno e o remédio é a dose. Comida demais faz mal, gera obesidade. Água pode intoxicar e produzir convulsões se não vier balanceada com sais minerais. Portanto, é a falta de medida que pode realmente fazer mal à saúde.
Quem trabalha com dependência química conhece bem o estrago que o uso compulsivo de drogas pode fazer. A drogadição destrói o indivíduo e a família. Mas as estatísticas especializadas mostram também que somente uma ínfima minoria de usuários de qualquer droga desenvolve a síndrome da dependência. Basta observar o que acontece com o álcool. É uma droga legal, consumida por uma ampla maioria da população sem nenhum tipo de problema. Mas há um pequeno número de usuários que faz um uso problemático da bebida. Estima-se que eles sejam 20% dos bebedores, 10% dos quais são dependentes. Em relação à canábis estima-se em 2 a 3 % o índice de dependência. E entre os problemáticos, é alto o índice de co-morbidades psiquiátricas, ou seja, de transtornos mentais gerando a dependência química.
Assim como os diabéticos não podem comer açúcar e hipertensos não podem comer sal, dependentes químicos não podem usar drogas. Eles não têm controle sobre elas. Daí a sabedoria dos Alcoólicos Anônimos quando se recusam a ser uma associação antialcoólica. Eles não combatem o álcool porque sabem que as pessoas normais podem beber. Combatem tão somente o alcoolismo e pregam a abstinência apenas para os que sofrem dessa grave doença.
As drogas fazem parte da história de todas as sociedades. Nossos índios tinham suas raízes, os andinos têm a coca, os cristãos trouxeram o álcool e os negros a canábis Os povos aprendem a lidar com as drogas, criam culturas e rituais protetores que limitam seus malefícios. A venda de bebidas alcoólicas em beira de estrada garantida pela justiça brasileira é uma exceção que confirma a regra. A intolerância é um sinal de fragilidade próprio das sociedades fundamentalistas que combatem as drogas ou sexo e ás vezes também o Batman, o Homem Aranha, etc. como estamos vendo no mundo islâmico.
A atual política de criminalização das drogas foi elaborada no final dos anos 60 pelo governo Nixon. Aqui encontrou eco em setores conservadores de nossa sociedade à época representados pela ditadura militar. Baseada no preconceito e no terrorismo ela hoje apresenta um saldo desastroso. Não impediu o consumo de drogas, não contribuiu para informar os jovens e a população, criou uma reserva de mercado clandestina e armou a criminalidade. Por isso, está mais do que na hora de repensarmos essa questão.
O fim das grandes utopias políticas que agitaram os dois últimos séculos empobreceu os movimentos sociais. Hoje luta-se por causas setoriais, que, sejam verdes ou cor de rosa, alimentam o eterno ímpeto participativo da juventude. Fumar maconha não é uma grande bandeira. O combate a ela também não. Mas a liberdade de pensamento e expressão é.
Nada pode justificar a truculência do Ministério Público de tentar proibir a chamada “marcha da maconha”. Seu discurso é ignorante e preconceituoso. E a atitude demagógica de “salvadores da pátria” é o ovo da serpente de onde brotam os futuros ditadores. O cidadão não precisa de tutela. Ele pode ouvir todo tipo de argumento e deve ter o direito de decidir o que fazer e o que fumar. O Estado não tem nada a ver com isso a não ser o papel de garantir o direito à livre manifestação de todos. A saúde pública haverá de ser grata ao debate e os jovens respeitados e informados saberão como lidar com as drogas.
*Luiz Fernando Pedroso é médico psiquiatra e diretor clínico do Espaço Holos
Artigo publicado no Jornal A Tarde em 02/05/2008