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Ao redor do buraco, tudo é beira – Por Caroline Severo

borderline

Em artigo publicado no jornal A Tarde, Caroline Severo, psicóloga e coordenadora da Residência Terapêutica da Holiste, analisa as particularidades do transtorno de personalidade Borderline, cujo diagnóstico vem crescendo nos últimos anos.

Em uma de suas entrevistas, Ariano Suassuna canta a música criada por um senhor em que dizia “Ao redor do buraco, tudo é beira”. Imediatamente, me remeteu a um diagnóstico psiquiátrico antigo, porém muito atual, principalmente nos jovens. O termo Borderline foi utilizado pela primeira vez por Stern nos anos 40, em que descrevia adolescentes e seus arroubos seguidos de atos extremos. Nessa época, não se sabia ao certo se os indivíduos apresentavam neuroses graves ou psicoses.

Para a psiquiatria, o Transtorno de Personalidade Borderline se tornou diagnóstico nos anos 60, apontando como principais sintomas o sentimento de abandono, instabilidade entre o ideal e o real, instabilidade em relação a imagem de si mesmo, impulsividade, autoagressão, automutilação, tentativa de suicídio e sentimento crônico de vazio. Descritos como sujeitos no estado limítrofe, na borda, com comportamentos impulsivos, instáveis e caóticos, os pacientes com diagnóstico de Personalidade Borderline têm dificuldade de reconhecerem a sua “beira”, como se lhes faltassem bordas ou não as percebesse diante do seu vazio existencial. Eis que atos e impulsos surgem, sendo lidos como sintomas que manifestam o mal-estar psíquico.

Diferente dos outros transtornos, esse é um diagnóstico desafiador para a psiquiatria, pois as medicações não tratam o quadro, apenas reduzem os sintomas. Outro fator importante é que a caracterização dos sintomas pode “servir” para muitas circunstâncias, ou, como acontece em muitos casos, reduzir o sujeito a sintomatologia.

Percebe-se que, atualmente, há uma grande procura por um diagnóstico que “descreva” seu sintoma, e este tende a funcionar como apaziguador, já que localiza o mal através de um nome dado pelo saber médico, na tentativa de encontrar um modo de tratá-lo. Entretanto, é notório que quanto mais os indivíduos se envolvem com o nome da doença, mais se colocam a ponto de cair na corda bamba dos seus enigmas, daquilo que sustenta a sua enfermidade. Nos consultórios, os pacientes se questionam: “que buraco é esse? o que está na linha ou por um fio? A borda pode ser uma saída?”.

Gosto da frase de Quinet em que diz “para que o diagnóstico não seja uma etiqueta, é necessário que ele cumpra a função de remeter à estrutura que o condiciona”. O simples agrupamento de sintomas não revelará qual a problemática do narcisismo, tampouco as motivações que o desafiam a fazer laço com o outro. Para a psicanálise, a aposta será no que sustenta simbolicamente esse indivíduo e de que forma este pode se aproximar da sua realidade. É no tratamento do ato pela palavra que o indivíduo pode encontrar uma saída, buscando a elaboração do seu conflito essencial, traçando meios para viver com seus buracos, pelas beiras.

artigo carol severo