Em artigo publicado no Jornal A Tarde, o psicólogo Rogério Barros fala sobre as “novas manifestações” de mal-estar e a invenção de mecanismos psíquicos para lidar com essas manifestações.
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Se, outrora, a repressão da sexualidade deu a Freud a possibilidade de invenção da psicanalise, atualmente nos questionamos sobre as novas manifestações do mal-estar frente ao império da pornografia e da liberação sexual. Fala-se muito dos sintomas da nossa época, tributários das formas de organização da vida frente ao declínio dos modelos tradicionais. Podemos mesmo dizer que os sujeitos de uma cultura, a cada momento, criam mecanismos psíquicos para solucionar o mal-estar frente ao convívio com os outros e às decorrentes restrições a satisfação.
Vemos, hoje, mudanças importantes na organização familiar, em que a autoridade paterna já não é central e determinante. Surgem novas formas de interagir com o outro sexo, não mais balizadas pelo binômio homem x mulher. Além disso, a imposição de limites soa hoje como algo ultrapassado. Um novo mundo, com borda infinita, dotado de um contorno versátil, não deixa de gerar consequências. Novos diagnósticos passam a fazer parte da nossa conversa cotidiana, como anorexia, bulimia, hiperatividade. Aqueles que mais chamam a atenção da grande mídia, que ocupam as páginas dos jornais e as pautas dos programas televisivos, são os que remetem a certa aceleração subjetiva, como é o caso dos comportamentos agressivos autodirigidos ou não, como as automutilações e o bullying.
Pouco se fala sobre a paralisia e a apatia, modos de manifestação do sofrimento mais silenciosos e, não por isso, menos graves. Tratam-se, em muitos casos, de graves inibições, onde o sujeito tem uma das suas funções retidas. A face paralisada, inibida e apática do mal-estar contemporâneo fica mais clara quando escutamos, na aparente calma desses sujeitos, suas dificuldades de encontrar prazer num mundo cheio de opções, nos impasses frente a descoberta do próprio desejo, e no vago sentimento de vazio. O investimento da energia psíquica em qualquer atividade se torna por demais onerosa para pessoa, que termina recorrendo ao recuo, à fuga, como solução.
Na dualidade das manifestações atuais do mal-estar, atentamos mais à disritmia dos comportamentos compulsivos, sem nos deter propriamente sobre a ausência de movimento, a apatia. Outras soluções têm sido empregadas frente às mudanças culturais, nem sempre ligadas à efusão. Mais ligadas à mortificação do desejo e ao retorno ao princípio de nirvana, lacunar, o tédio, a apatia e a paralisação subjetiva merecem melhor atenção. Sabemos que é pela via da vivificação que um tratamento pode acontecer, tirando o indivíduo da inércia. Conseguir ir mais além do silêncio, investindo energia psíquica na fala, pode ser um recurso possível para mudar esse cenário. Essa é a nossa aposta.