– Fatores de risco como o estresse ameaçam o aumento da expectativa de vida trazido pelos avanços na medicina preventiva e na biotecnologia
– Entrevista com os médicos Gilberto Ururahy e Pietro Novelino revela os novos caminhos para viver mais e melhor
RIO – Nada mais apropriado do que aproveitar o início de um novo ciclo para renovar os planos para cuidar da saúde. E o momento de reflexão faz com que o movimento nas clínicas de check-up tenha seu maior pico nesta época do ano. Ir ao médico regularmente, no entanto, não basta, alertam os especialistas. Para o homem moderno, que vive hoje com uma expectativa média de 80 anos – e que tende a subir com os avanços na medicina preventiva, biotecnologia e remédios cada vez mais precisos – combater o estresse, responsável por 80% das consultas médicas no mundo, deve ser uma tarefa diária e constante em busca de uma vida mais longa e de qualidade.
Nascida no início dos anos 60, a medicina preventiva foi fruto da corrida espacial – americanos inventaram o check-up para que astronautas não tivessem problemas de saúde no espaço – e mudou muito de lá para cá. O advento de vacinas com uma cobertura cada vez mais abrangente e a ampliação das noções de saúde pública, com campanhas de prevenção, além de técnicas sofisticadas para tratamento de doenças mais frequentes, aumentou a longevidade humana desde então. Somente no Brasil, entre 1960 e 2010, a expectativa média de vida dos brasileiros passou de 48 para 73,4 anos. Foram 25,4 anos a mais em 50 anos, ou um pouco mais de cinco anos por década.
– A importância da medicina preventiva também foi muito grande no sentido do custo-benefício da saúde pública. Se pudermos evitar o aparecimento de um novo paciente com diabetes, por exemplo, fazendo determinadas condutas, prevenimos o custo com o tratamento da doença – diz Pietro Novelino, presidente da Academia Nacional de Medicina. – A prevenção não é apenas para que a doença não venha. Pacientes cardiopatas ou com diabetes, por exemplo, já têm todo um acompanhamento visando o aumento da sua qualidade de vida.
Mais conforto e precisão
A prevenção caminha a passos largos, mas o campo do tratamento é o que reúne os maiores avanços da medicina. A cirurgia robótica ou assistida por computador já é uma realidade e tem mudado as perspectivas de recuperação de pacientes em diversas áreas, como urologia, gastroenterologia, ginecologia e cardiologia, além de ser muito utilizada em procedimentos na cabeça, no pescoço e no tórax.
– O limite da idade humana vai acabar com o avanço das novas tecnologias. Já conseguimos reduzir o tempo de cura e cicatrização de cirurgias com o uso da robótica, e o aumento do conhecimento da biologia molecular nos possibilita criar órgãos artificiais a partir de células-tronco – conta Gilberto Ururahy, diretor médico da Med-Rio Check-up. – Sem falar na nanotecnologia. São motores e receptores implantados na célula do indivíduo e conectados a computadores super modernos. Além de aumentar o monitoramento da saúde do paciente, a tecnologia pode fazer com o que o corpo responda muito melhor ao tratamento.
Se tempos atrás membros de uma família portadora de uma doença genética com um percentual de penetrância elevado (maior chance de que o gene se expresse em parentes e descendentes) só ficavam cientes do problema após a manifestação dos sintomas – o que reduzia suas chances de cura – agora exames que podem apontar fatores de risco presentes no DNA são cobertos até por planos de saúde.
– Em breve, cada indivíduo vai ter em mãos seu mapa genético – aponta Ururahy. – Mas apesar dos benefícios que isso pode trazer, segundo uma pesquisa da Universidade de Stanford, apenas 10% das mortes no mundo estão ligadas à genética. A maior parte, 80%, está associada ao estilo de vida.
Com uma atmosfera cada vez mais poluída – segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 223 mil pessoas morreram de câncer de pulmão relacionado com a poluição do ar em 2010 -, o aumento do uso de agrotóxicos e cada vez mais problemas relacionados com a sobrevivência e a adaptação às mudanças climáticas, o meio ambiente se torna um dos fatores de risco que podem desequilibrar essa equação de avanços, segundo Novelino:
– Somos produtos do meio – afirma. – Não dá para assegurar, mas pela minha experiência de mais de 50 anos de exercício da medicina, acredito que houve um aumento de 30% a 35% de influência dos fatores ambientais no desenvolvimento de doenças.
Estresse e consumo de cigarro preocupam
E o consumo de cigarro está diretamente ligado ao problema. Segundo a OMS, eles contêm mais de 4.500 compostos químicos, muitos dos quais se transformam em outras combinações e liberam poluentes como arsênico, amônia, sulfito de hidrogênio, cianeto hidrogenado e monóxido de carbono.
Apesar da restrição aos anúncios e campanhas de conscientização no mundo inteiro, a organização estima que um terço da população mundial adulta, o que corresponde a 1,2 bilhão de pessoas, seja fumante. No Brasil, o consumo de tabaco caiu 20% entre 2006 e 2012, de acordo com dados do 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, mas, mesmo assim, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que, a cada ano, 200 mil brasileiros morram precocemente devido às doenças causadas pelo tabagismo.
– O cigarro é um fator de risco muito grande, mas não apenas para quem o consome. Cerca de 3% das mortes no mundo são relacionadas com o fumo passivo – alerta Novelino. – Por isso eu sempre chamo a atenção de mães e pais para que jamais fumem perto de crianças.
O maior problema de saúde pública nos dias de hoje, no entanto, é um inimigo silencioso que convive com a maioria da população mundial todos os dias: o estresse.
– O que eu venho observando depois de 70 mil check-ups médicos é que o estresse crônico é o principal fator de risco para a saúde do homem moderno – afirma Ururahy. – A medicina preventiva faz o homem viver cada vez mais, mas os males causados pelo estresse preocupam. Um dos órgãos que mais sente os seus efeitos é o coração. Por isso, 40% das mortes em grandes centros urbanos têm como causa problemas cardíacos.
Autor do livro “O Cérebro Emocional: As Emoções e o Estresse do Cotidiano”, Ururahy é um dos maiores defensores do impacto do estresse no aumento da incidência de um estilo de vida inadequado. Segundo ele, as consequências no corpo são causadas pelo aumento da produção dos hormônios adrenalina e cortisol.
– O cortisol afeta a imunidade, acarretando infecções de repetição, aumento da resistência à insulina, agressão à mucosa gastrointestinal, que gera aumento do apetite, e maior aparecimento de coágulos sanguíneos – explica Ururahy. – Já a adrenalina, um forte estimulante, faz com que a pessoa durma mal e acorde cansada no dia seguinte. Como a produção no trabalho não pode parar, esse indivíduo lança mão de produtos com cafeína e de alimentos açucarados, que são fonte de energia. Aquele que fuma, fuma mais, porque a nicotina também é um estimulante. Então vemos aparecer o que chamamos de ciclo dos excitantes, que causa doenças como obesidade, depressão e lapso de memória.
Hoje o conhecimento do corpo humano e a aplicação de novas tecnologias para evitar ou curar doenças pode fazer, literalmente, milagres. Mas a melhor maneira de alcançar uma vida mais longa e com qualidade segue sendo a boa e velha receita: atividade física regular, alimentação equilibrada e sono repousante.
FONTE – O Globo