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Maioridade Penal: Uma Questão Psiquiátrica

Além dos aspectos jurídico-legais, analisar a capacidade de recuperar estes jovens infratores é fundamental.

O debate sobre a redução na Maioridade Penal de 18 para 16 anos tem ocupado grande espaço na mídia brasileira nos últimos meses. Enquanto os aspectos jurídicos são exaustivamente debatidos, pouco se discute sobre a capacidade de recuperação destes jovens, quais medidas devem ser tomadas para a sua recuperação, como evitar ou reduzir comportamentos delinquentes entre este público e como preservar a integridade física e psicológica do resto da população. Para analisar o tema sob o ponto de vista da psiquiatria, o Diretor Clínico do Espaço Holos, Dr. Luiz Fernando Pedroso, compareceu ao programa Saúde no Ar da Rádio Vida FM.

 

COMPORTAMENTO DELIQUENTE X DOENÇA MENTAL

Com anos de experiência na recuperação de menores infratores, adquiridos quando trabalhava como psiquiatra da antiga FEBEM de São Paulo, Dr. Luiz Fernando recorda de como foi sua experiência no trato destes menores: “Nesta época eu dirigia uma unidade de adolescentes infratores de 14 à 18 anos, e eu tinha muitos homicidas com 14 anos, com 15 anos, e era uma população muito difícil de se trabalhar”. Quando perguntado sobre as motivações e causas para o comportamento delinquente destes jovens, o psiquiatra esclarece: “Tinham adolescentes que vinham de famílias desestruturadas, o que estimulava a delinquência, mas você tinha um grande número que já tinha uma predisposição natural genética para a delinquência, para o distúrbio de comportamento. Quer dizer: um psicopata, uma pessoa com transtorno de personalidade antissocial que é predisposto a cometer crimes e homicídios, ele não é só feito pelo ambiente, tem muito de patologias de natureza hereditária familiar, já nasce com esta predisposição”.

Contudo, o psiquiatra faz questão de esclarecer que quem tem uma genética desfavorecida não está fadado a enveredar em uma vida de crimes: “Herança genética não é destino, herança é probabilidade. Muitas vezes, inclusive, você vê crianças que vêm de famílias completamente desorganizadas, criadas em ambientes às vezes perversos, e saem pessoas adultas extremamente saudáveis do ponto de vista mental. (…) Então o meio influencia, a genética influencia, o resultado do que o indivíduo vai ser, o adolescente ou adulto, é o resultado da interação de todos estes fatores”.

 

CAPACIDADE DE RECUPERAÇÃO DE JOVENS INFRATORES

Um dos fatores mais polêmicos sobre o tema trata-se da capacidade de recuperação destes jovens. Para o especialista, recuperar estes adolescentes é muito difícil: “A chance é pequena, depende da gravidade do quadro, mas existe. Existe e eu acho que o adolescente sempre tem, que deve ser dado a ele sempre o direito a uma segunda chance, porque a adolescência deve ser vista sempre como um atenuante”.

Muito se discute sobre quanto tempo estes jovens devem ficar encarcerados, se a correção do comportamento delinquente é possível e se o encarceramento, cada vez mais cedo, é a melhor estratégia para recuperá-los. Dr. Luiz Fernando acredita que retirar estes menores infratores do convívio social é parte importante do seu tratamento e recuperação: “O adolescente infrator precisa ser contido, ele precisa ser preso, né? Agora, dentro da prisão (e por isso tem que ser uma prisão especial) ele precisa ter a chance de ser tratado. Mas isso não pode se confundir com impunidade”.

Quando questionado sobre a possibilidade de penas alternativas, realização de trabalhos sociais com estes jovens no lugar do atual sistema prisional para correção do comportamento criminoso, o medico salientou: “Eles deviam estar contidos e sendo psicologicamente tratados naquilo que é possível tratar, porque doença tem isso: algumas você trata, outras você reduz danos e outras você tem que ser humilde para aceitar que não tem jeito. (…) Eu acho que uma das grandes tragédias que pode acontecer é quando você vê alguém ser vítima de um crime, em que esse criminoso já tem um antecedente, já cometeu dois, três, quatro crimes; aí você se pergunta: meu Deus, porque esta pessoa esta na rua, AINDA? (…) Temos que prender. Primeiro pelo seguinte: a sociedade tem que ficar segura, você não pode deixar o criminoso na rua, então prender é o primeiro passo, é proteger a sociedade. O segundo passo é ver o que você pode tentar fazer por aquela pessoa, principalmente se for um adolescente, se você vai conseguir ou não recuperá-lo”.

 

IMPUNIDADE: PERDA DA AUTORIDADE E A INVERSÃO DE VALORES SOCIAIS

Outro fator que o psiquiatra aponta como fundamental nesta discussão é o viés ideológico dado à questão. Quando se trata de doença mental, aspectos ideológicos por vezes se confundem e são sobrepostos ao conhecimento técnico/ médico. Na questão da delinquência juvenil, a imposição da autoridade e da disciplina é um ponto fundamental: “Isso é o começo de tudo. É o começo da educação, é o começo de um tratamento psicoterápico de um delinquente. Sem o limite, sem a disciplina, sem o freio moral você não faz nada. O que acontece hoje, no Brasil, é que há uma profunda crise de valor, de valores morais. Então você não tem respeito pela vida do outro, você não tem respeito pela propriedade do outro. O crime é muito mais justificado e explicado do que combatido, e os nossos órgãos de Segurança Pública, que seriam os órgãos sociais de disciplinar e de colocar o freio, o limite social, eles são satanizados” – pontua Dr. Luiz Fernando.

 

O resultado desta inversão de valores é uma sociedade acuada, vivendo sob uma sensação e realidade de constante ameaça o que, por vezes, a conduz para um comportamento reflexo extremado: “O nosso Estado, as nossas instâncias jurídicas não conseguem manter o criminoso, seja adolescente ou um adulto, preso. Por isso é que, hoje, quem está preso somos nós: todos nós moramos em condomínios fechados, casas trancadas cheias de grades, porque nos últimos anos isso aumentou muito por questões ideológicas e deixou-se os criminosos nas ruas” – e o psiquiatra sintetiza o perigo disso para o contexto da discussão – “Como a impunidade é tão grande, este debate tem mais um valor simbólico: quem acha que deve punir quer reduzir a maioridade penal; quem defende a impunidade, não quer reduzir. Você tem uma população desesperada, porque está sendo vítima diariamente de crimes, e que tá defendendo até a pena de morte, pelo desespero e porque acha que o criminoso deve ser punido. (…) O que a gente precisa é mudar a mentalidade, mudar esta cultura de impunidade e buscar ações públicas efetivas e responsáveis”.

 

Ouça o programa na íntegra:

 

*Dr. Luiz Fernando Pedroso é médico psiquiatra, Fellow da Associação Americana de Psiquiatria. Fez sua residência em Psiquiatria Infantil na Comunidade Terapêutica Enfance, São Paulo e trabalhou por alguns anos com jovens infratores em uma unidade da antiga FEBEM de São Paulo.