Dificuldade para alternar entre circuitos fundamentais do cérebro estaria por trás dos altos índices de recaídas entre pessoas que tentam parar de fumar
RIO – Quem já conseguiu parar de fumar sabe como é difícil resistir à tentação de voltar ao vício, principalmente logo no início, tanto que pesquisas indicam que, dependendo do tipo de tratamento adotado, até 80% das tentativas terminam em fracasso. E a explicação para isso pode estar na dificuldade que os fumantes têm de alternar entre circuitos cerebrais fundamentais devido aos efeitos da abstinência de nicotina, indica estudo com base em exames de imagem do cérebro feito por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia. Segundo eles, a falta da droga prejudica a conexão entre o chamado “modo padrão” do cérebro, que deixa as pessoas em um estado mais introspectivo e autorreferencial, e o circuito de controle, no qual elas podem exercer escolhas mais conscientes, e assim afastar a vontade de fumar e se focarem em deixar o vício de vez.
– Acreditamos que isso significa que os fumantes que acabaram de abandonar o vício têm uma maior dificuldade de sair de pensamentos mais introspectivos de como se sentem para um foco mais externo nas tarefas à frente – diz Caryn Lerman, líder da equipe de pesquisadores e principal autora de artigo sobre o estudo, publicado na edição desta semana do periódico “JAMA Psychiatry”. – É muito importante que as pessoas que estão tentando parar de fumar mantenham sua atividade dentro deste circuito de controle e sejam capazes de para de pensarem em si mesmas e seu estado interno para se focarem nos seus planos e objetivos mais imediatos.
Estudos anteriores já tinham observado os efeitos da nicotina na interconectividade cerebral em um estado de repouso, isto é, sem uma atividade com um objetivo específico, mas esta é a primeira vez que os cientistas compararam o que acontece com estas conexões em períodos de abstinência e quando as pessoas continuam a fumar como de hábito, relacionando estas diferenças com sintomas como a vontade de fumar e o desempenho metal. Para tanto, os pesquisadores escanearam os cérebros de 37 fumantes saudáveis com idades entre 19 e 61 anos que consumiam mais de dez cigarros por dia em dois momentos: 24 horas depois de a abstinência ter sido confirmada por marcadores bioquímicos e após voltarem a fumar como de hábito.
As imagens de ressonância magnética obtidas mostraram um enfraquecimento significativo da interconectividade entre os circuitos padrão e o de controle durante a abstinência. Além disso, este enfraquecimento foi relacionado a uma maior vontade de fumar, mau humor e outros sintomas da abstinência, sugerindo que pode ser a razão para que algumas pessoas tenham maior dificuldade de abandonar o vício. Desta forma, os pesquisadores acreditam que determinar a força desta conexão entre os circuitos cerebrais pode ajudar a prever quem teria mais problemas para abandonar o fumo, assim como servir de biomarcador para identificar os melhores tratamentos para cada fumante.
– Os sintomas da abstinência estão relacionados a mudanças nos cérebros dos fumantes enquanto eles se adaptam à falta de nicotina, e este estudo valida os que eles sentem como tendo uma causa biológica – diz Lerman. – O próximo passo será identificar previamente aqueles fumantes que terão mais dificuldade em largar o cigarro e fazê-los alvos de tratamentos mais intensivos com base na sua atividade cerebral e conectividade entre seus circuitos cerebrais.
FONTE – O Globo