– Financiamento coletivo de cinema, pressão sobre o Judiciário e até arrocho tributário são armas do movimento contra o cigarro.
O financiamento coletivo, modelo de mecenato que ganhou visibilidade no Brasil por bancar apresentações de artistas estrangeiros em solo nacional, chegou ao movimento antitabagista. É um dos indícios de novos tempos na luta contra a indústria do cigarro. Um pool de ONGs e entidades de saúde, como Abead, Instituto Chico Anysio e Hospital do Coração, se uniu a quase uma centena de pessoas físicas para viabilizar o documentário de 28 minutos da Aliança de Controle do Tabagismo (ACTbr). “Dois pesos e duas medidas”, de Rodrigo Gontijo, teve pré-estreia semana passada, no Rio, e será exibido amanhã, em São Paulo, antes de entrar em circuito no YouTube. O filme relembra a história de José Carlos Carneiro, que teve as pernas amputadas em razão da tromboangeíte obliterante. Carneiro ganhou indesejável fama em 2001, quando teve a foto, na cadeira de rodas, estampada em campanha do Ministério da Saúde nos maços.
O drama do aposentado, fumante por três décadas, desde os 15 anos de idade, é usado para cobrar rigor do Judiciário em ações contra fabricantes de cigarros.
Carneiro foi derrotado no processo que moveu contra a Souza Cruz. Apesar de o governo ter relacionado publicamente seu problema de saúde ao hábito de fumar, a Justiça eximiu a empresa da indenização, por considerar o consumo de cigarro um ato voluntário.
A interpretação é recorrente. A ACTbr já analisou 96 processos. Na primeira instância, apenas nove receberam sentenças favoráveis ao consumidor. Na segunda, foram seis; no Superior Tribunal de Justiça, nenhuma. A própria Souza Cruz, líder no setor no país, informou que, desde 1996, foi alvo de 661 ações judiciais movidas por fumantes, ex-fumantes ou familiares. Do total, 504 já tiveram sentença final favorável à empresa.
Nos Estados Unidos, o quadro é dividido. Há decisões pró e contra fabricantes. Nos anos 1990, 11 empresas, entre elas Philip Morris e British American Tobacco, firmaram acordo para indenizar estados americanos em US$ 240 bilhões.
Em outra iniciativa na busca de aliados para reduzir o consumo de cigarros, está no país o advogado americano Matt Myers. Ele foi consultor do órgão equivalente à Advocacia Geral da União nos litígios com a indústria do tabaco nos EUA. Veio ao Brasil para encontrar autoridades. Ontem, esteve na Anvisa. O órgão está com a Resolução 3034/2012, que proíbe sabores e aditivos em cigarros, suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido da CNI. O texto entraria em vigor em setembro passado.
A tributação severa também entrou no arsenal antitabagista. O pesquisador Roberto Iglesias investigou a legislação da Receita Federal impondo aumentos graduais do IPI sobre os cigarros. Desde 2006, as receitas com o imposto cresceram 45%; os preços no varejo subiram 74%, ainda mais. E as vendas caíram 38%, sem expansão do consumo de cigarro contrabandeado.
Com isso, especialistas esperam derrubar o argumento central da indústria de que mais tributação leva à alta de preços e aumento do mercado ilegal. O bonde antitabagista, diz Vera Luiza da Costa e Silva, do Centro de Estudos de Tabaco da Ensp/Fiocruz, quer renovar as alíquotas crescentes sobre cigarros, a partir de 2015, quando vence a lei atual.
No Brasil, em 2008, 17,5% da população de 15 anos ou mais consumiam derivados de tabaco, segundo pesquisa do IBGE. Eram 25 milhões de fumantes. Quanto menos, melhor.
FONTE – O Globo