Na década de 90, o país tinha 200 mil leitos. Mas a realidade era cruel. Os pacientes viviam em manicômios, longe do convívio familiar e social, e sem reabilitação.
Com a reforma psiquiátrica, esses locais foram sendo fechados, mas o país ainda não conseguiu criar uma rede eficiente de atenção à saúde mental que garanta, por exemplo, consultas e tratamento com psiquiatras e psicólogos no SUS e leitos para situações de emergência.
O debate reaqueceu nos últimos dias com a posse do novo ministro da Saúde, Arthur Chioro, conhecido militante da luta antimanicomial e que já se posicionou contra os hospitais psiquiátricos. O temor dos médicos é que haja ainda mais cortes de leitos.
Segundo o Ministério da Saúde, as posições de Chioro estão em acordo com a atual política de saúde mental.
O vácuo assistencial pode ser visto nas emergências dos hospitais gerais e psiquiátricos, para onde vão doentes agudos (em surto psicótico).
Ficam ali agitados, circulando no meio de outros pacientes, até surgir uma vaga de internação, conta o psiquiatra Rodrigo Bressan, que coordena o programa de esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo.
Os doentes menos graves, após estabilizados com remédios, têm alta e orientação para procurar ambulatórios ou os Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Mas como não encontram vagas ou não aderem ao tratamento, surtam e voltam aos prontos-socorros.
É uma porta giratória. Entram, saem e voltam em pior situação. Não têm a atenção adequada porque a rede de atendimento é insuficiente. Ninguém quer o que existia antes, mas a realidade hoje também é cruel, afirma o psiquiatra Quirino Cordeiro Júnior, chefe do departamento de psiquiatria da Santa Casa de São Paulo.
A instituição gerencia dois dos maiores prontos-socorros psiquiátricos (na Vila Mariana e em Franco da Rocha), que, juntos, atendem cerca de 2.000 pacientes por mês.
Estão sempre superlotados, trabalhamos com o triplo da capacidade. Pacientes graves, que precisam de uma internação urgente, demoram até três semanas para conseguir uma vaga;, conta.
Segundo ele, muitos dos casos que sobrecarregam os PSs são simples (renovação de receita de antidepressivo, por exemplo) e poderiam ser atendidos na rede básica, se houvesse estrutura. Uma consulta com psiquiatra no SUS chega a demorar um ano.
Os Caps são muito importantes, mas estão sendo negligenciados. São poucas unidades, poucos profissionais e uma estrutura física precária diz o promotor público Luiz Roberto Faggioni, que já instaurou inquérito civil para apurar as irregularidades.
A situação de caos não é exclusiva de São Paulo e se repete em todo o país, segundo Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Hoje não temos leitos, não temos consultas, não temos nada. É um apagão. Em vez de fechar os hospitais psiquiátricos, o governo deveria qualificá-los e readequá-los.
Ele defende um sistema em rede, com atendimento primário, secundário e terciário, como prevê, no papel, a atual política (veja infográfico abaixo).
O psiquiatra Mauro Aranha de Lima, vice-presidente do Cremesp (conselho regional de medicina paulista), diz que a maioria dos doentes pode ser tratada em ambulatórios porque as atuais terapias são eficientes.
Internação é só para situações emergenciais, em que há risco para a vida do doente ou de outras pessoas. O país não precisa mais de paciente morando em hospitais.
FONTE – Folha de São Paulo