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Resposta Mundial para as Drogas

Por  FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E MICHEL D. KAZATCHKINE

A guerra está perdida, mas Suíça e Portugal demonstraram que é possível desenvolver políticas que combinam pragmatismo, economia e respeito aos direitos humanos.

O sistema de democracia direta da Suíça permite que os cidadãos que obtiveram um número suficiente de assinaturas para uma petição contestem uma política ou uma lei em um referendo nacional. Depois das inúmeras mortes por Aids registradas nos anos 1980, os suíços se defrontaram com o problema que destruiu milhões de vidas nos Estados Unidos, Rússia, América Latina, União Européia, Sul da Ásia e outras regiões. Os usuários de drogas intravenosas – principalmente viciados em heroína – haviam transformado os locais públicos de Zurique e de outras cidades em lugares onde podiam se drogar abertamente.

Os suíços não trataram do problema com a negligência que a Rússia tem demonstrado até o momento – mas de 2 milhões de usuários, cerca de 1 milhão de pessoas que vivem atualmente com HIV, mais de 60% delas infectadas por compartilhar agulhas. Tampouco reagem à guerra contra as drogas como os Estados Unidos, destinando recursos enormes à contratação de policiais, à construção de cadeias, e com prisão. Todas essas medidas revelaram-se contraproducentes.

Os Estados Unidos prendem atualmente mais que qualquer outro país, em grande parte como conseqüência da guerra às drogas, e em número desproporcional esses presos são afro-americanos e hispânicos. A guerra permitiu aos cartéis lucrar mais do que nunca e transformar comunidades na América Latina em feudos. O dinheiro da droga está corrompendo governos democráticos e instituições destinadas a zelar pela aplicação da lei. A violência relacionada às drogas produziu um número incalculável de vítimas, basta pensar no Afeganistão, Mianmar, Colômbia, Estados Unidos e México.

Os suíços reexaminaram a política com uma visão pragmática. Profissionais de saúde tomaram a frente em uma campanha – mediante o sistema de democracia direta – para pressionar o governo a abandonar a estratégia das prisões e da punição dos usuários e a adotar medidas de saúde pública baseadas na evidência científica do que funciona.

Os suíços introduziram programas de metadona, estabeleceram a troca de agulhas – até mesmo no interior das prisões – e criaram salas para a injeção segura de drogas em larga escala. O Departamento Federal de Saúde Pública supervisionou uma experiência em que é prescrita heroína a pessoas que foram dependentes de narcóticos por longos períodos. A cuidadosa avaliação governamental dessa estratégia demonstrou que a terapia da heroína assistida é viável e econômica, além de proporcionar melhora significativa. Além disso – por favor, autoridades, tomem nota! – contribuiu para uma queda impressionante das taxas de criminalidade. Tanto o público suíço convenceu-se dos benefícios que, em duas votações nacionais, aprovou a terapia assistida, apesar da oposição política e das críticas do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos.

A Suíça continua sendo um país conservador. O narcotráfico continua ilegal. Em novembro de 2008, os suíços rejeitaram uma proposta semelhante à da Holanda de descriminalização da maconha. Alguns representantes do governo se perguntam se a política suíça não se terá concentrado excessivamente na saúde e muito pouco no problema da pobreza e da exclusão social dos usuários.

Entretanto, o enfoque da Suíça produziu lições importantes que poderão ser aplicadas nos Estados Unidos, na Rússia e em muitos outros países assolados pelo HIV e pela Aids. O mesmo acontece com enfoques semelhantes adotados em Portugal – há apenas 10 anos, o país da União Européia com a maioria dos casos de HIV e Aids relacionados às drogas. A decisão de Portugal, em 2001, de descriminalizar a posse de drogas ilegais não só levou ao aumento do número de usuário em tratamento (e não nas prisões), como também a um declínio significativo do número de usuários de drogas infectados com HIV.

Entre essas lições está a crucial importância da investigação científica de novos programas e de se permitir que a tomada de decisões se baseie na ciência. Outras lições são a unificação de programas de policiamento e saúde sob um conceito de política coerente, investimentos em pesquisa e educação pública, a abertura de novos programas à avaliação independente, e a apresentação de provas e de medidas pragmáticas para fazer frente à crítica ideológica.

Nós e outros líderes mundiais criamos a Comissão Global sobre a Política para as Drogas  – a reunião inaugural será em Genebra –, para mostrar que a guerra às drogas está perdida. Suíça. Portuga e outros países demonstram que existe uma maneira melhor, que combina pragmatismo e economia de custos com compaixão e respeito pelos direitos humanos.

O Estado de São Paulo, 23 de janeiro de 2011
Fernando Henrique Cardoso e Michel D. Kazatchkine