Em artigo publicado no Jornal A Tarde, a acompanhante terapêutica e coordenadora da Residência Terapêutica da Holiste, Isabel Castelo Branco, fala sobre a relação de pais e filhos na adolescência.
De uma forma que, a princípio, nos parece um pouco contraditória, a presença dos pais na vida do adolescente é de extrema importância para que ele possa realizar seu movimento de autonomia, rompendo com a estrutura de dependência estabelecida ao longo da infância. Chegou a hora de descobrir os próprios limites, questionar os valores e as normas familiares, experimentar outros princípios e ideologias. A adolescência é, antes de qualquer coisa, um longo exercício de elaboração de escolhas que não deve ser privado de indicações, direcionamentos e determinações, imprescindível na história de vida das pessoas.
Diante dos comportamentos adversos tão comuns a essa etapa do desenvolvimento, como a exposição a riscos desnecessários, experimentação de álcool e outras drogas, mudanças de humor e de hábitos, podem surgir conflitos que levem os pais a desistirem de desempenhar sua alteridade em relação aos filhos, questão fundamental para que possam construir seus modos de estar no mundo. Nesses casos, os pais se afastam dos filhos antes que estes construam mecanismos para se apartarem das referências parentais; o adolescente, ao perceber-se abandonado, convoca os pais para que restabeleçam a sua função. A partir disso, tem início uma série de dificuldades de relacionamento, indicando tanto a fragilidade dos pais em consentirem a posição de alteridade, quanto a precariedade das construções sintomáticas do adolescente.
Na experiência clínica de atendimento a pais, observamos explicações ingênuas na tentativa de “descomplicar” a adolescência, como a aplicação de supostas técnicas comportamentais que prometem resolver os enigmas dessa fase. Por detrás do afã pelas respostas imediatas, escutamos que o processo de conviver com adolescentes vem carregado de culpa e medos. Acreditar que, de alguma forma, você foi o causador do funcionamento psíquico não saudável do próprio filho desloca os pais para um lugar de vulnerabilidade. É necessário o dom do amor, por parte dos pais, para suportar o aniquilamento do seu lugar idealizado e sacralizado, feito pelos filhos.
Por outro lado, a busca incessante por serem pais ideais, em alguns casos, pode proporcionar uma horizontalização das relações, impedindo que seu filho atravesse o processo que Freud descreveu como semelhante à construção de um túnel: cavando pelos dois lados, nem sempre em linha reta, mas suficientemente estruturado para permitir a travessia. O trecho da música Pais e Filhos, da Legião Urbana, retrata bem esse momento: “Você me diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais”. Nesse percurso, frente aos impasses e desentendimentos, buscar a ajuda profissional pode ser um passo importante tanto para o adolescente como para seus pais.