A luta pela redução do número de suicídios no Brasil esbarra é um grande problema: o tabu que ainda persiste em torno do tema.
A ideia de que falar sobre suicídio poderia estimular o ato suicida acabou por criar uma barreira ante o assunto, deixando até quem sofre calado, por dores emocionais e psíquicas, sem espaço para dialogar sobre o assunto.
Com o tema “Suicídio: precisamos falar sobre isso”, a psiquiatra Fabiana Nery abordou maneiras para ultrapassar o tabu em torno do suicídio.
“Até mesmo nas faculdades de comunicação é ensinado que não se deve noticiar o suicídio na mídia. No entanto, falar é importante para que possamos trabalhar a prevenção. Suicídio não é algo que se possa tratar, é algo que precisamos prevenir. Então, falar sobre ele é importante”, salienta.
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Intenção de morrer
A tentativa de suicídio é conceituada como um ato com o qual o indivíduo teve a intenção de morrer, independente do grau de letalidade da mesma. O número de mortes por suicídio gira em torno de 1 milhão ao ano, o que representa cerca de 1% das mortes em todo o mundo.
“Se a gente somar todos os homicídios, mortes por acidentes de trânsito e mortes em todos os conflitos de guerra do planeta, isso é menos do que o número de mortes por suicídio por ano no mundo. E nós não estamos avaliando, aí, que existe um contexto de subnotificação ou de notificação ineficiente, no qual muitas mortes por suicídio são contabilizadas como outras causas. Então, sim, precisamos falar sobre isso e o suicídio é um problema de saúde pública”, argumenta Fabiana Nery.
Sinais de alerta
A psiquiatra destaca, ainda, que 80% das pessoas que se matam costumam dar algum aviso, normalmente não percebido, por não se tratarem de frases diretas, mas sim de discursos como “não tenho mais vontade de fazer nada”, “se eu tivesse uma doença e morresse seria melhor”, entre outros.
Além disso, comportamentos como a desistência de planos e sonhos, isolamento, a falta de esperança e crenças são sinais de alerta.
“Há um estudo que mostra que 50% das pessoas que se matam passaram por um médico no mês anterior ao suicídio. Isso mostra que mesmo nós, profissionais de saúde, precisamos estar atentos a esses diálogos e comportamentos. O comportamento suicida não começa no dia em que o ato ocorre, ele começa muito antes e vai crescendo gradualmente. Ele começa com uma ideia de morte e vai evoluindo para desejo, motivo, intenção, plano, tentativa, até o suicídio consumado”, acentua Fabiana Nery.
Fatores de vulnerabilidade e estressores
Existem alguns fatores que podem contribuir para que uma pessoa seja mais ou menos sucessível ao suicídio. Entre eles, existem aqueles chamados de vulnerabilidade, que são intrínsecos àquele indivíduo, e os estressores, que são eventos que funcionam como gatilhos para as crises.
“Temos, por exemplo, a vulnerabilidade genética – se a pessoa tem um familiar de primeiro grau que já se suicidou, ela tem dez vezes mais chance de cometer esse ato. Além disso, as alterações hormonais, de neurotransmissores (como serotonina e adrenalina) e transtornos psiquiátricos são fatores de vulnerabilidade. Os estressores ambientais, como lesões cerebrais, violência na infância, estresse crônico e estresses psicossociais, interagem com os fatores de vulnerabilidade, chegando a provocar o comportamento suicida”, pontua a psiquiatra.
Transtornos psiquiátricos e suicídio
Dados apontam que 95% dos casos de suicídio estão associados a um transtorno psiquiátrico. Além disso, a tentativa de suicídio é mais letal no início da doença. Por isso, é importante vencer os tabus que envolvem os transtornos mentais.
“A ideação suicida não é uma escolha, não é um projeto, é um sintoma de uma doença que pode ser tratada e, por consequência, o suicídio será prevenido. Se você tratar o que está levando ao pensamento, a ideia de se matar vai deixar de estar ali. O suicídio é fruto de uma dor psíquica insuportável. O que fazemos no tratamento é mostrar ao paciente que é possível findar aquele sofrimento sem a morte”, finaliza.