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Transexualismo deve sair da lista de doenças mentais

A advogada e empresária Márcia Rocha, 47, é travesti. Usa próteses de silicone, tem pênis e se autodefine como bissexual. Foi casada duas vezes com mulheres e tem uma filha de 18 anos.

O webdesigner Leonardo Tenorio, 23, nasceu mulher, mas desde a adolescência se sente homem. Com o uso de hormônio masculino, ganhou barba e esconde os seios sob uma faixa apertada. Agora, ele briga com o plano de saúde pelo direito de fazer uma mastectomia.

Ambos estão prestes a obter uma conquista histórica: deixar de serem classificados como doentes mentais. Hoje, o manual que orienta os psiquiatras considera transexualismo (que passou a se chamar incongruência de gênero) um transtorno.

Mas a nova versão da lista de doenças que orienta a saúde em todo o mundo, a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), editada pela Organização Mundial da Saúde, deverá eliminar isso.

Vários comportamentos tidos hoje como transtornos, como o sadomasoquismo e o travestismo fetichista, serão varridos da CID. Outros, como o transexualismo, vão mudar de categoria.

Os trans, por exemplo, vão ganhar um novo capítulo, longe das doenças, que deve reunir outras “condições relativas à sexualidade”, ainda a serem definidas.

A ordem é “despatologizar” o sexo. “Comportamentos sexuais que são inteiramente privados ou consensuais e que não resultem em danos às outras pessoas não devem ser considerados uma condição de saúde. Não há razão para isso”, disse à Folha Geoffrey Reed, diretor de saúde mental da OMS.

Reed esteve em São Paulo em encontro para discutir pesquisas e análises que serão feitas no país sobre as novas propostas. No Brasil, a coordenação dos trabalhos é da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Segundo Reed, a ideia é reduzir preconceitos e facilitar o acesso a terapias a quem realmente precisa delas.

“Por que nós, trans, precisamos de um diagnóstico? Por que precisa de um médico para dizer que a pessoa é o que ela é? Nosso direito de autonomia é totalmente ceifado com essa atual patologização”, diz Tenorio, presidente da Associação Brasileira de Homens Trans.

POLÊMICA

A questão, porém, é complexa. Existe o temor que ao, perder a classificação de doença, esses comportamentos deixem de ser cobertos pelos sistemas de saúde. No Brasil, por exemplo, os transgêneros têm direito a cirurgias de mudança de sexo e outras terapias no SUS.

“Estamos analisando o impacto nas leis da mudança de diagnóstico como um todo para evitar qualquer eventual prejuízo ao acesso aos serviços de saúde”, afirma a psiquiatra Denise Vieira, uma das coordenadoras brasileiras da revisão da CID na área de saúde sexual.

Para a cirurgia de troca de sexo no SUS, por exemplo, a pessoa precisa ser avaliada, dois anos antes, por uma equipe de psiquiatra, cirurgião, psicólogo, endocrinologista e assistente social.

Segundo os médicos, o cuidado é porque, se feita em pacientes sem o diagnóstico de transexualismo, pode resultar em distúrbios psíquicos graves e até levar ao suicídio.

Mas a burocracia só ocorre no SUS, segundo a advogada Márcia Rocha, que estampa em seu registro profissional o nome de Marcos Fazzini da Rocha.

“Quem tem dinheiro consegue colocar ou tirar o que quiser”, afirma ela, integrante da comissão de direitos da diversidade sexual e combate à homofobia da OAB/SP, citando os próprios seios.

CRIANÇA TRANS

Outra polêmica em curso é o diagnóstico da criança trans. Há grupos que defendem que elas não sejam rotuladas como tal na infância porque estudos mostram que, no futuro, muitas tendem a ser gays ou lésbicas, e não transexuais.

Para o psiquiatra Jair de Jesus Mari, professor titular da Unifesp, ainda há várias questões no campo da sexualidade que devem ser levantadas até a conclusão da revisão da CID-11, prevista para ser publicada em 2015.

“Não há um conceito biológico claro do que são transtornos mentais ou de sexualidade. Não vamos dar conta de toda a complexidade do comportamento humano.”

FONTE – Folha de São Paulo
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