Em artigo publicado no jornal Correio, Lívia Brandão, terapeuta ocupacional da Holiste e coordenadora do Holiste Dia, aborda a fluidez das relações sociais contemporâneas que dão origem ao que chama de “sociedade do sozinho”.
“O homem é um ser relacional. Esta afirmativa, que antes parecia absoluta, parece estar se modificando. Podemos dizer que, ao longo dos últimos anos, mantivemos a essência e a capacidade de nos relacionarmos, mas a disposição e o modo como isso acontece vem tomando contornos cada vez mais estreitos.
Com a chegada das redes sociais, as pessoas começaram a adotar uma nova forma de se relacionarem. Diria que, atualmente, existe a relação pessoal “olho no olho” e a mediada pela tela de um computador ou smartphone. Essa mediação virtual, por vezes, pode ser interpretada com uma barreira.
Entretanto, as redes sociais fazem um papel ambíguo e paradoxal de aproximar e distanciar pessoas. A comunicação em rede promove reencontros de pessoas distantes geograficamente, ao mesmo tempo em que distancia pessoas que moram na mesma casa. Ou seja: trata-se de um meio de comunicação eficiente, mas que dispensa o contato físico, modifica as relações e pode dificultar a formação de laços sociais.
Zygmund Bauman, sociólogo e filósofo polonês, indica que os laços sociais contemporâneos se dão em rede, não mais em comunidade. Dessa forma, os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas. Os indivíduos estão sempre aptos a se conectarem e desconectarem conforme suas vontades, o que faz com que tenhamos dificuldade de manter laços a longo prazo.
Para Bauman, vivemos hoje em um mundo líquido, onde nossas relações de afeto se tornam facilmente descartáveis. Na passagem do mundo sólido ao líquido, as formas sociais se liquefazem: o trabalho, a família, o engajamento político, o amor, a amizade e, por fim, a própria identidade.
O drama contido no filme Ela (2014), de Spike Jonze, nos faz pensar sobre essa fluidez nas relações. Trata-se da história de um homem que se apaixona por uma máquina. O filme retrata as novas configurações do amor, transformando o relacionamento entre o escritor Theodore e a inteligência artificial “Samantha” em um dos mais belos romances que o cinema construiu no século XXI.
A necessidade humana de comunicação, de carinho e afeto, não importando de onde venha e de quem venha, ainda persiste. A ideia não é lançar mão de uma ou outra forma de relação, mas de complementariedade. Estamos atentos ao alienismo e ao isolamento social que a rede “social” promove. Ao mesmo tempo, sabemos que se pode fazer um bom uso deste recurso, ampliando as possibilidades de relacionamento com pessoas geograficamente distantes.
A comunicação sempre evolui; assim caminha a humanidade. Mas, o laço entre os seres é de fundamental importância para que estes continuem a criar uma sociedade melhor, que não se conecta apenas pelos cabos de fibra ótica, mas pelo contato pessoal.”