Individualismo e egoísmos nas relações sociais causam ainda mais impacto em pessoas que apresentam algum sofrimento psíquico, que precisam da atenção e cuidado de outra pessoa. Esse é o tema do artigo escrito pela psiquiatra Livia Castelo Branco, publicado no Jornal Correio.
Confira o artigo completo.
Desde muito jovens, somos estimulados a dividir e compartilhar as coisas. Na infância, brinquedos; na adolescência, experiências; na idade adulta, sabedoria. Valores como amizade, fraternidade, solidariedade, compaixão, solicitude são sempre apreciados, tidos como civilizatórios e, sobretudo, como traços de uma personalidade agradável e sadia. Somos preparados para uma relação de doação ao outro, uma construção do senso de comunidade. Em contrapartida, somo instigados todo tempo a competir entre nós mesmos, a assumir as rédeas do nosso destino, a cuidar de nossa própria vida e a “vencê-la”: é aí que se faz o nó.
O individualismo tem predominado em nossas relações sociais, e as necessidades do outro, cada vez mais, ficam em segundo plano. Mantém-se o discurso da união, em teoria, pois na prática é cada um cuidando de si. “Pode contar comigo”, “me ligue se você precisar de algo”, são frases prontas que surgem nos diálogos entre conhecidos, mas que não resistem ao primeiro pedido de ajuda; logo aparecem agendas lotadas e compromissos inadiáveis.
Diversas pessoas em sofrimento psíquico costumam relatar falta de tempo ou cumplicidade daqueles que as cercam. A sensação de solidão e abandono, mesmo quando cercados por um monte de pessoas, é comum. O foco direcionado aos interesses individuais nos leva ao questionamento do egoísmo e da falta de empatia em nosso meio social. Entretanto, em algumas ocasiões, o distanciamento não acontece pela via da indiferença, mas pela total incapacidade do indivíduo avaliar como poderia ser útil. O medo de piorar a situação, ou de simplesmente prolongar a angústia, leva muitos ao afastamento e ao desejo de não enxergar a dor alheia.
Evitar o contato com o outro só agrava o problema. Essa incapacidade de lidar com o sofrimento de quem anseia por nossa atenção, nossa ajuda, só pode ser trabalhada quando compartilhamos momentos juntos, quando nos colocamos como uma possibilidade de escuta e acolhimento. Ainda que desse encontro não surja a solução para o problema, a companhia dos demais leva ao debate de ideias, eleva a autoestima, promove o intercâmbio de afeto, entre outros benefícios. O suporte social é importante para o bem-estar cotidiano, e ainda mais nas fases de mudança e nos momentos mais difíceis da vida, ajudando a prevenir o adoecimento físico e psíquico.
Como membros da sociedade, é nossa missão disponibilizar tempo e energia para o outro. Ouvir, sem julgamentos, ajuda a aliviar a angústia de quem está sendo acolhido. Buscar ajuda profissional e ampliar a rede de suporte para o outro pode reduzir a sensação de desesperança. Dividir a dor é lembrar, assim como quando éramos crianças, de que é necessário compartilhar para termos uma vida saudável em grupo.