Em entrevista à rádio Excelsior, o psiquiatra Victor Pablo falou sobre automutilação, suicídio, depressão entre crianças e jovens, bem como o papel dos pais nesse cenário.
A adolescência é uma fase delicada da vida, na qual surgem muitos questionamentos, inseguranças e medos. Considerando esses fatores, é preciso ter atenção para aquele jovem que pode estar sofrendo e não consegue expressar o que sente, se tornando mais vulnerável a problemas de saúde mental.
Um recente projeto de lei determina a notificação compulsória às autoridades sanitárias, por parte de estabelecimentos de saúde pública e privada, e também pelas escolas, de casos de violência autoprovocada, que inclui tentativas de suicídio e automutilação. Ainda que a justificativa seja de facilitar a obtenção de dados, profissionais da área alertam que a notificação pode expor os pacientes, além de ferir o sigilo médico.
“A notificação de casos de automutilação e suicídio pode confundir mais do que ajudar. Vamos imaginar um caso que ocorre em uma cidade do interior. Quando for notificado, essa informação vai para o serviço municipal de saúde. Como assegurar o sigilo e a privacidade do paciente em um local pequeno, onde as pessoas se conhecem?”, questionou Victor Pablo.
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Suicídios subnotificados
O psiquiatra destacou que concorda que é necessário melhorar a notificação de casos de lesões autoprovocadas e suicídios no Brasil, mas que há formas de fazer isso sem ferir o sigilo da relação médico/paciente.
“Muitas vezes uma pessoa é socorrida em uma tentativa de suicídio, é atendida e a morte ocorre tempos depois, por complicações decorrentes da lesão autoprovocada. Essa morte, porém, não será notificada como suicídio, pois ocorreu por agravos posteriores ao ato. Um preparo maior das equipes de intensivistas em relação à notificação e uma revisão na forma de notificar poderia nos dar uma dimensão mais clara do problema do suicídio no Brasil”, detalha.
Importância da família e dos amigos
A questão do apoio familiar e das pessoas próximas ao adolescente também foi abordada pelo médico. Victor enfatiza que, muitas vezes, a pessoa que tenta suicídio não tem a real intenção de morrer, mas sim acabar com um sofrimento intenso que ela não consegue dar conta.
Dessa forma, a colaboração de amigos e familiares pode fazer toda a diferença, fornecendo apoio e colaborando na identificação de comportamentos que podem demostrar problemas de ordem psíquica. Alguns exemplos de comportamentos suspeitos são: isolamento, discursos que apontam desejo de morrer ou desaparecer, tristeza constante, dificuldade na produção escolar e nas relações sociais.
“A maneira de introduzir uma conversação como essa é delicada. É preciso se aproximar de forma afetuosa e colocar que percebeu mudanças no comportamento da pessoa, oferecendo ajuda, se disponibilizando para ouvir, com uma postura de acolhimento”, complementa o psiquiatra.
“Esse projeto de lei fere o sigilo da relação médico paciente. Fere a liberdade do indivíduo, que é quem deve decidir se uma informação sua deve ou não ser enviada ao governo. A confiança é a base do tratamento médico psiquiátrico e enviar informações do paciente ao governo fere essa relação em nome de uma burocracia qualquer”, preocupa-se o psiquiatra.
A proposta segue agora para o Senado e tem como justificativa a geração e estatísticas mais precisas sobre os casos de automutilação. O projeto é de autoria do atual ministro da Cidadania, Osmar Terra. Hoje, já é feita a notificação de violências em geral, mas, na opinião do autor, ela aborda de forma muito superficial as agressões autoprovocadas.