Luiz Fernando Pedroso, diretor clínico da Holiste, critica duramente a decisão do Governo do Estado da Bahia de fechar quatro hospitais psiquiátricos públicos. Segundo o psiquiatra, tal decisão é resultado de uma equivocada ideologia e um uso político perverso da doença mental.
Não parece difícil para o atual governo da Bahia anunciar o fechamento dos hospitais psiquiátricos públicos no estado, afinal, seu secretário da saúde já traz essa experiência do tempo em que, como diretor, esteve envolvido no fechamento do Hospital Espanhol, cuja massa falida irá a leilão nos próximos dias. Difícil mesmo é como vai ficar a vida da população humilde com a perda desse recurso fundamental na saúde mental, que é a assistência hospitalar.
Tenho a impressão de que um dos segredos desse negócio de fechar hospitais é criar uma narrativa convincente baseada em meias verdades. A do Hospital Espanhol, até hoje, ficou obscura, inclusive nas razões pelas quais se tentou envolver o dinheiro público num negócio privado. No serviço publico, entretanto, já há essa narrativa pronta, construída nos anos sessenta que, embora desgastada e desatualizada, ainda é usada como álibi para justificar a irresponsabilidade social.
A chamada “luta antimanicomial” nunca se inseriu na medicina psiquiátrica, mas no conjunto dos “movimentos sociais” de ideologia católico petista que, às custas do peleguismo (financiamento público), do incitamento ao ódio e da corrupção sistêmica pretendiam perpertuar-se no poder. Nessa estratégia, loucos, bandidos e desajustados de toda ordem seriam transformados em ativistas contra a ordem democrática numa espécie de luta de classes alternativa, onde as populações marginais substituiriam a classe trabalhadora, ícone da antiga esquerda tradicional, como ponta de lança desse projeto político. Marx, Engels e sucessores, que odiavam marginais, se revirariam na tumba se pudessem.
À luz da medicina psiquiátrica, os argumentos antimanicomiais não param em pé, pois, ao contrário do que dizem, ambulatórios e hospitais dia não são alternativas à hospitalização, mas complementações da mesma. Cada um desses recursos têm indicações precisas e constitui um erro grave encaminhar para um hospital dia alguém que precise de uma internação integral e vice-versa. A indicação de um procedimento médico é de natureza técnica e não ideológica. Da mesma forma, instituições surgem, desaparecem ou se transformam de acordo com as inovações tecnológicas e não por decretos governamentais, como a história demonstra largamente em seus exemplos, um dos mais recentes, talvez, os antigos sanatórios para tuberculose, desaparecidos com o advento dos antibióticos.
Por mais que, nas últimas décadas, tenhamos assistido o avanço dos psicofármacos, todo profissional de saúde mental sabe que são ainda muito limitados e, embora ajudem muito, estão longe de decretar o fim das doenças mentais como processos crônicos. Tão pouco têm a meta de substituir as terapias de neuroestimulação, como o velho e bom eletrochoque, nem as abordagens psicológicas. Para quem precisa, a internação integral é essencial para salvar vidas, patrimônios, carreiras profissionais e as relações de afeto familiares. Por isso, enquanto os hospitais psiquiátricos públicos foram sendo precarizados e/ou fechados, a iniciativa privada cuidou de reabrí-los, mais adequados e melhores, mas infelizmente acessíveis apenas para um pequeno público de privilegiados, cujas vidas não dependem das escolhas ideológicas de políticos e burocratas da administração pública.
Aos despossuídos resta enlouquecer nas ruas, engrossando o exército das cracolândias, as instituições delinquenciais ou se transformando em “malucos profissionais” como aqueles cooptados para fazerem passeatas de protesto e representar a “classe” nos “movimentos sociais”. O recente caso do adolescente intoxicado e enlouquecido que faleceu de um mal súbito na frente do Habibs é um exemplo emblemático desse uso político perverso da doença mental. Abandonado em via pública pela família e pelo estado, serve agora de bandeira contra a empresa privada, posta sob suspeição justamente por aqueles prepostos do estado que sistematicamente vêm se omitindo nessa crise de desassistência.
As reais limitações financeiras do SUS não devem continuar escamoteadas por discursos populistas. Com menos cara de pau e mais espírito público, elas precisam ser enfrentadas, ainda que possam colocar em xeque esse sistema anacrônico, cujo sub financiamento não é o problema, mas antes o seu fundamento para justificar uma estrutura excessivamente estatizada, burocrática e autoritária, pois avessa aos princípios da autonomia e da livre escolha das pessoas, valores que precisam nortear a nossa consolidação como um país democrático.