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“Desculpe por ser homem” - a dor e a delícia de ser o que se é | por Paula Dione

Paula Dione

Em artigo publicado no Jornal Gazeta do Estado, a psiquiatra do Núcleo de Sexualidade da Holiste, Paula Dione, fala sobre “privilégios”  e a desconstrução da imagem tradicional do que é ser homem.

 

Terceiro colocado do BBB 21, Fiuk, filho do cantor Fábio Jr., teve sua passagem no reality marcada por declarações polêmicas. Mesmo quem não assiste ao programa soube do episódio em que o participante chorou e pediu desculpas por ser homem, branco e heterossexual. A notícia reverberou de forma instantânea, dando lugar a todo tipo de memes e outras demonstrações da atual “forma de se posicionar” da sociedade. A maioria da audiência lançou pedras; outros, tentaram discutir e “problematizar” o episódio.

Colocando em menor conta o palco, o protagonista e o mise en scène envolvidos, é possível que haja algo interessante a ser discutido sobre o evento e a reação das pessoas a ele. Para além do apedrejamento geral, um texto que achei aleatoriamente na internet trouxe o foco para outra questão: o que fazer com os ditos “privilégios” mencionados no episódio? Segundo esse viés, seria infrutífero simplesmente se desculpar por algo que não depende de sua escolha (no caso, sexo, cor e orientação sexual), sendo mais recomendável estar atento a como essas nuances influenciam a sociedade, e daí decidir como se portar a respeito. Não podemos esquecer que a própria questão – dessas características serem ou não “privilégios” – é algo muito presente nos debates públicos, inclusive fomentados pelos reality shows da vida (quem diria).

Analisando a linguagem do “desculpe por ser”, recordei-me da canção de Caetano Veloso, em que ele afirma que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. É indiscutível que existem segmentos da sociedade que são julgados com maior ou menor benevolência, a depender de pertencerem ou não a determinados padrões. Não estamos aqui para dizer algo como “a mulher sofre, mas o homem sofre também” (o mesmo vale para questões de raça ou orientação sexual). Todo mundo sofre preconceito, ok, mas a carga não é igual para cada lado envolvido. Quem nega tal fato não quer reconhecer que todo mundo não apenas sofre como também pratica preconceito, ou pode ser mera ignorância mesmo. De qualquer forma, não adianta tentar levar o assunto no grito ou no choro.

A discussão sobre privilégios, preconceito e lugar de fala, por sua natureza política, nunca será fácil. A controvérsia, o contraditório ou como quer que se chamem os advogados do diabo de cada debate são sempre abundantes, e é bom que o sejam, desde que não se baseiem em distorções. A presença desse tipo de pauta em mídias de massa tem levado as pessoas a se sentirem provocadas. Sem fazer coro aos que se revoltaram com o pedido de desculpas do rapaz, em sua maioria inconformados com a desconstrução da imagem tradicional do que é ser macho, fica a sugestão de que, talvez, a via de reparação realmente seja outra, menos passional e mais construtiva.