Mateus Freire, psiquiatra da Holiste, esclareceu pontos importantes sobre o diagnóstico psiquiátrico infantojuvenil, na última edição do Encontros Holiste.
De 10% a 20% das pessoas entre 5 e 18 anos apresentam ou vão apresentar algum transtorno mental, o que significa dizer que um em cada dez crianças e jovens terá algum problema de saúde mental. Metade dos transtornos mentais identificados em adultos tiveram início ainda na infância ou adolescência, ou seja: diagnosticar e tratar precocemente o transtorno mental resulta não apenas crianças e jovens mais saudáveis, mas em adultos com melhor qualidade de vida.
O diagnóstico psiquiátrico infantojuvenil é algo complexo, delicado, pois exige que profissional distinga o transtorno mental daquelas mudanças de comportamento que são naturais à infância e adolescência, duas fases de grandes transformações físicas e psicológicas, onde o individuo está em plena formação de sua personalidade.
Assista à palestra completa:
DIAGNÓSTICO NÃO É SINÔNIMO DE DOENÇA
Existe um pensamento geral de que o diagnóstico é a doença em si. Assim, segundo o senso comum, a pessoa que foi diagnosticada com alguma condição física ou psicológica carrega em si uma doença, algo que se soma às suas outras características e que ajuda a construir sua identidade.
Mateus Freire faz questão de esclarecer que diagnósticos são estabelecidos por pessoas, de tempos em tempos, padronizados através da Classificação Internacional de Doenças (CID). Acontece que essa classificação muda ao longo dos anos, e certos quadros que antes eram considerados enfermidades passam a não figurar (ou terem seus padrões referenciais alterados) nas edições seguintes.
“O que a gente considera como um problema muda ao longo do tempo, muda com a sociedade. (…) A CID IX, criada na década de setenta, trazia o autismo, que é um diagnóstico que continua a mudar muito nas classificações atuais, (…) como uma psicose, era colocado numa mesma qualificação de doenças como a esquizofrenia, por exemplo, que tem uma origem e características clínicas muito diferentes. (…) Até a década de 90, homossexualidade e lesbianismo eram considerados doenças, ou diagnósticos psiquiátricos. Isso só deixou de acontecer na década de 90 e até hoje, na CID X (que é a classificação atual), o diagnóstico de transsexualismo existe” – afirma o psiquiatra.
O ESTIGMA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO
Outro ponto importante na discussão sobre o diagnóstico psiquiátrico é o estigma que ele carrega. Vários fatores contribuem para que esses estigmas perdurem até hoje: a falta de informação sobre o tema, a associação entre o diagnóstico psiquiátrico e loucura franca, o preconceito com as medicações psiquiátricas e os julgamentos morais relacionados a estes fatores.
Ao longo do tempo, diversos diagnósticos psiquiátricos foram utilizados pejorativamente como xingamentos, como palavras utilizadas para ofender ou desqualificar alguém, de tal maneira que foram incorporados ao vocabulário popular e deixaram de fazer parte da terminologia técnica.
“Na CID VII, que é da década de 60, os transtornos relacionados ao ácool e outras drogas estavam caracterizados como “perturbações do caráter, do comportamento e da inteligência”. Ou seja: trazia uma conotação, o subentedimento de que aquela pessoa que manifesta um problema pelo uso de álcool ou outra droga é uma pessoa ruim, com problema de caráter, já estabelece um juízo de valor num transtorno que é extremamente prevalente em nossa sociedade.
A CID VIII é um caso interessante, esse diagnóstico: oligofrenia. (…) Nunca ouviu alguém falar ‘Fulano é um oligofrênico’? É um xingamento, mas como se transformou em um xingamento? Antes de oligofrenia, é interessante saber, existia uma outra denominação para esse transtorno: imbecil, idiota. São termo médicos, de lá do começo do século XX, são pessoas que têm uma deficiência cognitiva” – esclarece o especialista.
DIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS E JOVENS
Mesmo considerando tudo aquilo que já foi apontado acima, um diagnóstico bem feito e precoce é de extrema importância para o sucesso do tratamento dos transtornos mentais no público infantojuvenil. É importante esclarecer alguns pontos sobre como um diagnóstico psiquiátrico é estabelecido, tanto para diminuir o receio das pessoas quanto para evitar autodiagnósticos indiscriminados.
Para estabelecer o diagnóstico de um determinado transtorno, o paciente precisa reunir uma quantidade x de sintomas para que o psiquiatra possa chegar a uma definição contundente. Porém, somente uma coleção de sintomas não é suficiente para mensurar as especificidades do caso-a-caso; é necessário analisar esses sintomas criteriosamente, cruzar as informações, ouvir os relatos do paciente, da família, e é justamente esse o trabalho do psiquiatra em sua avaliação.
“Houve uma mudança recente no diagnóstico do autismo, quando a gente agora fala no espectro autista, o que significa dizer que antes, crianças que o diagnóstico não identificava como autista, agora a gente também consegue identificar aqueles quadros mais levinhos de autismo.
Antigamente a gente só conseguia, através dos critérios diagnósticos, pegar aquelas crianças com quadros muito graves. Com a abordagem de espectro, a gente já consegue saber que existe autista que tem alto funcionamento. São aquelas pessoas que são até muito inteligentes para determinados assuntos, ou que conseguem funcionar muito bem, mas que um ou outro sintoma” – pontua Mateus.
PROBLEMAS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Existem dois grupos de problemas mentais na infância e adolescência: os problemas externalizantes e os internalizantes. Nos externalizantes, a criança ou o jovem externaliza suas emoções, quase sempre de forma descontrolada, podendo apresentar agressividade e comportamentos impulsivos. Já nos internalizantes, existe um controle excessivo das emoções, isolamento social e inibição.
“Esses sintomas acontecem porque existe um sofrimento por trás. Esses sintomas sempre são uma expressão do sofrimento” – explica Mateus. O psiquiatra chama atenção especialmente para os transtornos internalizantes, onde o comportamento introvertido pode passar despercebido pelos pais e resultar no diagnóstico e tratamento tardios:
“O grande problema dos transtornos internalizantes é que é muito fácil não se perceber. (…) Se não existe essa atenção maio com o jovem, o problema pode deixar de ser identificado, e ele vai se agravando”. Por isso, é sempre recomendável procurar a avaliação de um especialista para evitar que quadros simples, facilmente abordáveis, se transformem em um problema mais grave que possa trazer impactos, inclusive para a vida adulta do indivíduo.
ASSISTA AO VÍDEO SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
NÚCLEO INFANTO JUVENIL DA HOLISTE
Criado em 2017, o Núcleo Infatojuvenil da Holiste conta com uma equipe especializada no atendimento de crianças e jovens, formada por psiquiatra, psicóloga, arteterapeuta, musicoterapeuta e psicopedagoga. Além disso, toda a estrutura do ambulatório foi planejada exclusivamente para o atendimento desse público, trazendo equipamentos específicos para viabilizar a expressão de seus pensamentos e emoções.