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"Estamos investindo em qualidade de atendimento" | Jornal ATarde

Dr. Luiz Fernando Pedroso foi entrevistado para a coluna Economia & Negócios do Jornal Atarde.  O diretor clínico da Holiste falou sobre o investimento na nova clínica, saúde mental, tratamentos e também sobre políticas públicas. Confira a entrevista de Juliana Brito publicada hoje (04/09).

 

O Espaço Holos, especializado em saúde mental, vem passando por reformulações. Primeiro foi a mudança de nome, de Holos para Holiste, este ano. Para 2016 está prevista a inauguração do novo prédio, um investimento de R$ 24 milhões. O espaço foi uma iniciativa do psiquiatra Luiz Fernando Pedroso, há 15 anos. Formado há 35 anos pela Ufba e reunindo anos de atuação no mercado paulista – onde, entre outras experiências, trabalhou na Febem -, Pedroso optou por investir em Salvador, cidade onde nasceu e que, “apesar da burocracia”, escolheu para criar sua clínica e trabalhar “para as pessoas”. Dono de uma fala franca, ele conversa, a seguir, com o A TARDE sobre doenças mentais, tratamentos e administração pública.

A Holiste está investindo R$ 24 milhões em uma nova sede. Fale um pouco sobre esse projeto.
É a criação de um espaço com mais qualidade do que o que a gente tem hoje. Nosso trabalho cresceu, foi bem aceito pelos nossos clientes, ao longo desses 15 anos, e isso fez com que incorporássemos muitos profissionais e funcionários. O espaço que a gente tinha ficou insuficiente. Não estamos investindo em quantidade, em ampliação do número de leitos e pacientes – essa ampliação é pequena, não é significativa. Estamos investindo em qualidade de atendimento.

Nessa sede haverá o acréscimo de algum tipo de serviço aos já prestados pela clínica?
Não. Já temos um serviço bastante diversificado. Fazemos muita coisa, desde a psicanálise à estimulação eletromagnética, ao eletrochoque, ao trabalho de acompanhante terapêutico. Precisamos é de mais espaço para trabalhar e de conforto para o nosso paciente. Além disso, temos uma visão muito própria da internação, do que chamamos de ambientoterapia, que é um espaço de vivência a ser trabalhado com referenciais psicanalíticos, então precisamos de um espaço mais específico.

Qual vai ser o tamanho da ampliação?
Vamos, pelo menos, quadruplicar ou quintuplicar. Em vagas, será de 20%. Com isso, a gente deixa de improvisar espaços. E vamos na contramão das instituições públicas. Há três, quatro anos atrás, aquele secretário, que hoje é deputado, Jorge Solla, me lembro dele ter escrito um artigo no A TARDE dizendo que a gestão dele estava produtiva e o número de produtividade que ele dava era o número de leitos hospitalares que havia fechado. Então, estamos construindo leitos. O governo fecha leitos. No caso da saúde mental, isso é um completo desastre. As pessoas ficam perambulando pelas ruas. Quantos adolescentes, por exemplo, vão encher cadeias e casas de correção de menores por falta de tratamento? Aumenta a criminalidade, sobretudo em crimes, como esses que vemos, em que um sujeito entra no cinema e mata um monte de gente. Aumenta a população de drogados na rua. E droga, a gente já sabe, pelo menos em 80% dos casos há um diagnóstico de doença mental. A nossa abordagem da dependência química é médica-psicológica. O nosso diferencial é não ter uma abordagem apenas psicológica ou religiosa ou química. O governo, para economizar, foi incentivando clínicas leigas.

Vocês atendem muitos casos de internação ?
Hoje, você atende 90% a 95% dos casos em consultório. Os casos graves é que precisa internar. Assim se evitam mortes. As pessoas não se dão conta de que a doença mental mata. Mata muito. Essas intervenções mais incisivas salvam vidas.

Ainda se nota algum constrangimento em procurar ajuda. O peito dói e a pessoa procura o médico, a alma dói e algumas pessoas ainda relutam em procurá-lo. Por quê?
Isso é um sintoma da doença. Quanto mais grave, mais a doença compromete a autocrítica da pessoa, até o ponto de torná-la incapaz de tomar decisões. Basta pegar um caso básico de dependência química: em 80% dos casos, qualquer que seja o tipo de dependência, é você fazer o paciente entender e aceitar que está doente. Quando ele entende isso, você tem quase todo o caminho andado. Com depressão também é assim. Talvez não tenha tanta resistência. Mas o deprimido, quanto mais intensa é a depressão, mais ele fica negativista, mais acha que o mundo não presta, que a vida não presta, que ele não tem saída, que nenhum médico, remédio, é capaz de ajudá-lo. E aí ele vai ao suicídio.

Ainda há preconceito contra as doenças mentais?
Hoje não. Na época de nossos avós isso era mais contundente. Em ambientes mais desinformados, ainda tem esse tipo de ideia, de confusão. A pessoa deprimida perde a vontade, a capacidade de desejar, perde até a energia de fazer alguma coisa, mas não perde a inteligência. Ela sabe o que tem que ser feito, mas não consegue, está desmotivada, patologicamente desmotivada, diferente da desmotivação normal. Em ambientes mais rústicos vão achar que a pessoa é preguiçosa, irresponsável. Mas há também outro fator. O deprimido sente muita culpa. Não é a culpa normal. Vai nascendo sem motivo, vai crescendo. E a pessoa, para tentar lidar com aquilo, vai atrás do motivo. E não raro está todo mundo querendo cuidar do doente, mas ele mesmo está com medo de que as pessoas estejam achando que ele está enganando, que é uma fraude, que é preguiçoso. O próprio doente se acusa, se culpa disso.

Qual é o potencial da medicina para auxiliar pacientes nesse estado?
Medicina e cultura sempre andaram muito juntas. Em meios mais esclarecidos, vão se incorporando noções de depressão, ansiedade, bipolaridade. Em paralelo a isso, a medicina vem dando respostas. Se não tivesse, não ganharia força cultural. Hoje, a medicina, a psiquiatria, tem muitas abordagens para essas doenças, desde a psicofarmacológica à parte psicológica, às psicoterapias, à parte de neuroestimulação, que são as estimulações magnéticas, as eletroconvulsoterapias.

Há uma boa aceitação dessa neuroestimulação, hoje em dia? Os pacientes ainda a associam às técnicas de tortura?
Cada vez menos. Isso está caindo numa velocidade atroz. Isso ainda existe mais em alguns ambientes políticos porque se confundiu o eletrochoque com os choques da tortura na ditadura militar, numa época em que, mundialmente, o mundo ocidental estava muito politizado, no sentido da contracultura, das “políticas antitudo”, digamos assim. E criou-se, nos anos 50, 60, a ideia da antipsiquiatria. Na verdade, era a negação da doença psiquiátrica. Partia do pressuposto de que a doença mental não existia, mas era a construção de um sistema opressor-capitalista-burguês-etc. Portanto, o psiquiatra estaria em função desses temas e tudo que vinha dele era suspeito. E aí entram os períodos ditatoriais, com tortura e tudo mais, e daí criou-se esse estigma. Hoje, cada vez mais as pessoas procuram esse tipo de tratamento, porque está na mídia, na internet. Ele é considerado o mais eficaz tratamento para a depressão, de longe, em comparação aos psicofármacos.

Como ele age no tratamento da depressão?
Na depressão, ele é padrão ouro, é onde é mais eficaz e utilizado. O choque é apenas um instrumento para produzir a convulsão e tratar através dela. Isso vem desde o século 18. Você usava óleo de cânfora para produzir convulsão. Depois, no começo do século 20, começou a usar insulina. Até que, na década de 30, se evoluiu para a provocação da convulsão com eletricidade. Hoje há correntes mais sofisticadas de eletricidade para produzir convulsão. Ou seja, correntes mais próximas da fisiologia do neurônio, reduzindo muito os efeitos cognitivos. E, daqui a pouco, vamos trazer – estamos só esperando a aprovação pelo FDA americano – a convulsoterapia por ondas magnéticas.

Mas como é que essa melhoria pela eletroconvulsoterapia acontece?
Isso aí eu só discuto com uma garrafa de uísque, porque essa é a cachaça do psiquiatra. São várias as teorias. O eletrochoque é o primo pobre da psiquiatria. Ele não tem a poderosa indústria farmacêutica, que é formadora de opinião pública e da qualificada, e que, nas últimas décadas, foi crescendo de forma avassaladora e, de alguma forma, dominando a linguagem psiquiátrica. E com todo esse poder da indústria farmacêutica, da surra política que o eletrochoque vem levando, ele sobreviveu e foi ganhando prestígio, ao ponto de você ir aos congressos, financiados pela indústria farmacêutica, e os especialistas falarem em medicações, dos últimos lançamentos, e sempre dizerem que o eletrochoque é muito mais eficaz.

A partir de que idade as doenças mentais se manifestam nos indivíduos?
Quando a gente fala do conceito de doença, tem que ter início, meio e fim, ou seja, tem que ter um conjunto de sintomas associados a uma determinada causa. Como as causas das doenças mentais são muito mais especulativas do que comprovadas ainda, a gente costuma falar mais em transtornos. Você tem as grandes síndromes – bipolares, esquizofrênicas – como tem as síndromes menores, mais sutis, que levam a transtornos de personalidade. E que se manifestam, muitas vezes, não como sintomas bizarros, grandiosos, mas com pequenas alterações de comportamento no nosso cotidiano. Esses transtornos mentais podem estar em qualquer idade, inclusive na mais tenra infância. Só pra citar um exemplo, a depressão na infância é grave, é devastadora na vida da criança. E muitas vezes a criança sofre porque uma bomba explodiu na subjetividade dela. E se ela estiver numa família desinformada, pode sofrer muito bullying, vai ser chamada de preguiçosa, porque vai ter péssimo desempenho escolar, uma má performance social. Ainda se leva muito tempo para diagnosticar essa pessoa corretamente e tratá-la.

Qual é a posição da Holiste nesse mercado?
Eu gostaria de estar agora me preocupando com a concorrência, mas o grande obstáculo, nossa grande dificuldade para nos estabelecer enquanto serviço de qualidade, não foi nenhum tipo de concorrência, não. Foi o poder público, que a todo o instante nos colocou obstáculos.

Como assim?
Primeiro, a insegurança jurídica em Salvador. Essa mudança no PDDU… Para a gente, foi desastrosa. A prefeitura queria nos tirar daqui. Isso foi um processo jurídico que levou mais ou menos 12 anos. Houve situações de estar em um congresso nos Estados Unidos e a Sucom (Secretaria Municipal de Urbanismo) chegar aqui passando fita em volta, fechando a clínica. E, do congresso mesmo, eu ligar para advogado. Até que, 12 anos depois, a gente conseguiu ganhar. Era um processo sem sentido. A burocracia foi mudando, foi criando dificuldades. Parecia que a burocracia estava andando sozinha. Não havia ninguém querendo nos prejudicar, mas também não havia ninguém para enfrentar a burocracia. Já há muitos anos fizemos o projeto da nova clínica. Mas, quando pegamos os alvarás, mudou o PDDU. Tudo isso é a peregrinação do empresário.

Como surgiu a Holiste?
Como profissional, nunca gostei de trabalhar para os outros. Sempre gostei de trabalhar para as pessoas. Então, sempre tive dificuldade de trabalhar no serviço público onde se trabalha, na verdade, para político. Sempre fui uma pessoa que, ao longo de minha carreira, tive consultório. E aqui na Bahia, especificamente, fui sentindo a falta de espaço para fazer determinados tratamentos, para internar. A Holiste foi surgindo em um momento em que as pessoas estavam fechando hospitais, deixando de fazer eletroconvulsoterapia, deixando de fazer um monte de coisas na saúde mental. Eu fui obrigado a fazer para dar resposta ao meu paciente.

*Luiz Fernando Pedroso é médico psiquiatra e diretor clínico da Holiste.

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