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LOCKDOWN: O CONFINAMENTO DA RAZÃO E DO BOM-SENSO

confinamento

Em artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo, Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e Diretor Clínico da Holiste, analisa as consequências da política de lockdown.

Praticamente todas as principais cidades do país começaram uma nova rodada de isolamento social. Segundo seus defensores, o confinamento da população é a única saída para conter o avanço da pandemia de COVID-19. O argumento é sempre o mesmo: a invocação da ciência enquanto entidade materializada, que nos diz o quê, quando e como fazer algo. Podem convencer boa parte da população com esse tipo de retórica, mas nós, médicos, lidamos diariamente com a ciência e sabemos que ela é um método, um meio para se chegar a algo, jamais uma verdade absoluta. A verdade é para os deuses; ciência é aquilo que pode ser refutável.

Digo isso para pontuar algo importante: como em toda questão humana, a decisão final é sempre política. A ciência pode auxiliar o entendimento de um problema, o esclarecimento de um cenário, mas a decisão sobre o que fazer é fundamentalmente política. A própria OMS, baluarte desse discurso tecno-científico, funciona em um formato de conselho; cada decisão ali tomada passa por longas reuniões, formação de comissões, plenários, até se chegar a um denominador comum. Se as decisões fossem meramente científicas, bastavam os relatórios dos pesquisadores indicando o que deveria ou não ser feito com o problema A ou B.

Existe, ainda, um outro aspecto científico convenientemente ignorado pelos apoiadores do lockdown: para determinado problema podem existir diferentes soluções. Isso fica bem claro quando olhamos para países como o Japão, onde não houve lockdown e os números são muito melhores que os do Brasil. Me recordo do exemplo da pandemia do HIV na década de 80; naquela época, como agora, inicialmente o pânico foi geral. Acreditavam que a AIDS era um castigo divino contra a liberdade sexual dos anos 60 e 70. Quiseram proibir o sexo, enquanto os mais extremados queriam prender ou exterminar todos os gays. Nenhuma dessas “soluções” foi adiante. Optou-se pela adoção da camisinha como método preventivo, com uma ampla campanha pública de conscientização. Priorizou-se a liberdade individual enquanto valor, e as pessoas continuaram tendo suas relações com as precauções que julgassem necessárias.

A propósito, a ausência total de valores talvez seja o aspecto mais crítico no enfrentamento da pandemia. O desrespeito às liberdades individuais, à propriedade privada e à livre iniciativa criou um cenário de insegurança jurídica e econômica que levou à escassez de insumos importantes, como testes, álcool em gel, luvas, respiradores, além de provocar desemprego em massa com o fechamento das atividades econômicas. Afinal, quem vai investir em um cenário tão desesperador e intervencionista? E se as empresas não funcionarem, de onde o Estado vai recolher impostos para bancar os tais auxílios emergenciais? A conta não fecha.

Ninguém contesta a seriedade do problema ou o perigo do vírus. A pandemia é real e deve-se adotar todas as medidas preventivas: higienização das pessoas e ambientes, testagem em massa, isolamento social dos grupos de maior risco, vacinação, etc. O que não se justifica é abrirmos mão de nossa liberdade, de nossa capacidade produtiva, de nossos valores socioculturais, como se fossem coisas de menor importância. Se é verdade que vivemos uma guerra contra o coronavírus, então deveríamos estar trabalhando dobrado para conseguirmos vencer essa guerra, e não simplesmente nos escondendo dentro de casa. É justamente nos momentos de dificuldade que temos que nos tornar mais produtivos, aguerridos, para conseguir nos proteger e aos mais vulneráveis.

Lembro que não é apenas o vírus que mata. Cresce o número de pessoas que apresentam algum transtorno mental grave por conta do isolamento social e do terrorismo midiático. Depressão, ansiedade, síndrome do pânico e episódios de suicídio são alguns dos quadros mais frequentes, mas não os únicos. A pobreza, a miséria generalizada também mata. Cresce o número de casos de violência doméstica, de crianças com algum problema de desenvolvimento por conta da interrupção das aulas, principalmente as mais pobres que dependem da alimentação das escolas públicas. É, no mínimo, desonesto ignorar essas estatísticas ao analisar o problema.

Me parece inegável que a pandemia adquiriu um perigoso contorno político. Ao invés de um real interesse em resolver o problema, mídia, governadores e prefeitos estão fazendo uso político da situação para pressionar o governo federal. Esse confinamento da razão e do bom senso me parece mais perigoso do que o próprio vírus, pois pandemias vem e vão na história da humanidade. Mas, quando uma civilização perde seus valores, sua decadência é quase sempre irreversível.

Publicado originalmente em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/lockdown-o-confinamento-da-razao-e-do-bom-senso-luiz-fernando-pedroso/