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Novos caminhos para o mercado de saúde | Revista Holiste

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Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM), divulgada em julho desse ano, demonstrou que mais da metade dos consumidores avalia que as operadoras de planos de saúde não cumprem as regras do contrato e dificultam a marcação de procedimentos de maior custo. Na mesma pesquisa, 58% dos médicos entrevistados afirmaram que os planos repassam valores muito baixos em relação ao serviço prestado.

O psiquiatra Luiz Fernando Pedroso, diretor clínico da Holiste, faz duras críticas ao atual modelo de gestão adotado pelos planos de saúde. Para ele, trata-se de um “modelo comoditizado”, com o desenvolvimento de uma gestão baseada na regulação do acesso dos beneficiários ao serviço, onde se prioriza somente a redução de custos para aumentar a lucratividade, sucateando o serviço prestado. Pedroso convida a classe médica para pensar um novo modelo, no qual as operadoras de saúde possam continuar financiando o serviço, mas não controlando o mercado.

Revista Holiste – Como o senhor avalia o crescimento do sistema suplementar de saúde?

Luiz Fernando Pedroso – O sistema suplementar está ocupando a lacuna do serviço público de saúde, que se encontra em falência pela má gestão e vem acumulando um déficit crônico de financiamento. Assim, o sistema suplementar entrou e continua confortavelmente no mercado, pregando como grande diferencial a qualidade da gestão associada ao baixo custo. Além disso, se fortalece com a simpatia de uma sociedade de consumo que é motivada pelo desejo de ter um plano de saúde. Um sistema que vai ficando mais forte do que nunca, ganhando dimensões exponenciais de controle do mercado.

RH – O sistema, então, está mal regulamentado?

LFP – Sim. As operadoras de plano de saúde dominaram a prática médica, se assenhoraram do ramo da saúde. Elas financiam pouco, mas controlam muito. Elas ditam as regras, controlam de preços, serviços, procedimentos, exames, medicamentos, cirurgias, aparelhos, etc., com a conivência burocrática das agências reguladoras.

RH – Na prática, como isto funciona?

Na verdade, existe uma estratégia de gestão que objetiva impedir que o beneficiário tenha acesso ao serviço. No relacionamento com o paciente, há restrições em todos os níveis do serviço, como, por exemplo, na realização de exames, estabelecendo muitas exigências para a autorização. Assim, perde-se a liberdade da relação médico/ paciente, o atendimento é, basicamente, administrado pelo funcionário da operadora. Tudo muito impessoal, uma vulgarização do ato médico, onde todos são postos em suspeição: pacientes, médicos e os próprios planos. Perde-se a relação de confiança. É possível falar que isso é uma boa gestão?

RHEntão, o senhor acha que o sistema público e o suplementar são estrategicamente semelhantes?

LFP – Exato. O plano de saúde tenta se diferenciar do SUS, mas eles têm o mesmo modelo básico de prestação de serviço que, na verdade, é um modelo de controle de mercado.

RH- Como o governo se posiciona dentro desta lógica?

Atualmente, o sistema de saúde suplementar sofre a influência dos órgãos reguladores, do governo e do judiciário. Mas, as operadoras têm uma estrutura poderosa, fazem lobby com determinados segmentos para implantar o seu modelo de gestão. Nesse debate, acabam excluindo a participação das outras duas pontas importantes do sistema: o público consumidor e os médicos que prestam o serviço. Isso é controle, não é democrático. Capitalismo não é controle, não é cartel, é livre escolha. Temos que pensar que o capitalismo é livre concorrência.

RH- Dentro desta estrutura implantada pelo sistema suplementar, quais são os prejuízos?

LFP – O primeiro prejuízo é para o paciente. Ele é a primeira vítima, porque tem sua liberdade de escolha sacrificada. O burocrata é que determina qual o médico e hospital vai lhe atender, qual procedimento ou exame deve fazer ou qual aparelho vai usar. Ele não tem livre escolha. É a cidadania do paciente sendo castrada pelo controle burocrático.

LFP- Como os médicos se posicionam nesta estrutura?

LFP – A classe médica, que sempre foi muito acomodada do ponto de vista ideológico e político, comprou essa ideia da medicina estatizada, deixando o sistema suplementar correr solto. Sem falar em outro problema grave: a relação médico/paciente. Existe o intermediário do plano de saúde manipulando, controlando o médico, dizendo o que ele pode ou não fazer. Se ele pedir exames demais, corre o risco de ser descredenciado. É necessário que este intermediário saia do meio da relação, que deve ser inviolável. Vejo declarações de representantes dos planos de saúde acusando médicos por quererem usar um medicamento novo, uma prótese nova, pois os planos querem empurrar o mais barato para o cliente. Essa atitude coloca o médico em suspeição, como se fosse um agente de corrupção, um acomunado com o laboratório a, b ou c.

RH- Isso tudo gera graves consequências para a prática da medicina?

LFP – Sim, claro. O prejuízo é grande para a medicina, que fica engessada e sucateada. É um processo de vulgarização da medicina que está em crescimento, onde não investem no profissional. Não adianta cobrir exames e aparelhos sofisticados se não tiver um profissional qualificado para fazer a avaliação do material.

RH – O modelo privado americano de saúde seria ideal para o Brasil?

LFP – A economia da saúde é uma das mais controladas e reguladas do capitalismo americano, mas as operadoras de saúde são mais financiadoras do que controladoras do sistema. Lá você tem mais liberdade de escolha. O paciente indica seu profissional, decide com ele o procedimento, e vai buscar o seu financiamento/ressarcimento junto às operadoras, que, por sua vez, podem financiar uma parte, nem sempre o total. Às vezes, as pessoas têm mais de um plano de saúde, tendo opções de coberturas em procedimentos e setores diferenciados. Nós temos um modelo piorado do padrão europeu. Não concordo com o modelo europeu estatal, que tem a ver com a social democracia, que hoje está em decadência. Um mundo que cresce, hoje, de maneira próspera, é o mundo liberal.

RH – Quais as perspectivas de mudança do sistema suplementar de saúde no Brasil?

LFP – O que queremos é o financiamento, não o controle. Na Holiste, somos capazes de fazer um serviço melhor porque temos condições de fazer uma boa gestão, coisa que o serviço público não faz. Temos que repensar o modelo do sistema de saúde suplementar. Não adianta repetir o SUS, temos que fazer diferente. Estas operadoras são importantes como financiadoras do sistema e não como controladora do mercado. Durante muito tempo prevaleceu uma visão de uma medicina e saúde estatizadas, esta coisa autoritária do SUS, que se propõe um sistema único de saúde. Só que tudo que é único é autoritário. O que é bom é democrático, plural. Temos que ter vários sistemas de saúde competindo e concorrendo entre si, e não um sistema dominado, com uma visão autoritária. Infelizmente, temos no Brasil uma cultura autoritária.

RH- Como atuariam os médicos neste modelo proposto?

LFP – Temos que acabar o credenciamento médico exclusivo para cada plano. Todo médico habilitado legalmente para exercer sua profissão e atender seus pacientes (um registro ativo no CFM) deveria acessar o sistema de reembolso dos planos, indiscriminadamente. Por sua vez, o paciente pode buscar os profissionais de sua preferência, e caso o valor da consulta/ procedimento ultrapasse a franquia contratada, arcar com a responsabilidade de sua escolha e pagar a diferença.

RH- O senhor pretende levantar esta bandeira junto à classe médica?

LFP – Minha intenção é discutir esta questão com os colegas. De um lado, temos pacientes querendo um serviço de qualidade. Do outro, as fontes financiadoras determinando os parâmetros. É preciso avaliar a importância que o sistema suplementar de assistência médica está tendo na atual conjuntura. Médicos, pacientes e sociedade devem entender que o mercado só pode ser regulado pelas partes envolvidas na prestação do serviço (médico e paciente), sem intermediários, baseando-se na liberdade de escolha e no resgate da cidadania. Ninguém deveria delegar a terceiros as escolhas de sua própria vida, principalmente na área da saúde. É preciso resgatar a liberdade e a confiança na relação de consumo.