O psiquiatra Victor Pablo analisa a convivência entre os tratamentos formais, baseados nas evidências, e a espiritualidade, no artigo publicado no jornal A Tarde.
Confira o artigo completo.
Segundo o Prof. Rubim de Pinho, psiquiatria é uma ciência de cuidado plural que, ao respeitar a cosmovisão dos pacientes, estimula a combinação de recursos diversos para alívio do sofrimento causado por transtornos mentais. A medicina moderna observa, com silêncio piedoso, os benefícios das terapias alternativas, cuja potência pode ultrapassar o efeito placebo por proporcionar uma experiência menos impessoal.
É simpático tolerar a associação de tratamentos formais às iniciativas espontâneas dos pacientes, como o Reiki, a cromoterapia, os florais de Bach, as benzedeiras, os banhos de folhas e a homeopatia. Entretanto, enquanto agentes da medicina baseada em evidências, não devemos prescrevê-los. A ciência não encontrou meios de provar a existência de energias místicas no processo terapêutico. Pode ser presunção afirmar a sua inexistência, mas o cotidiano empírico acena para a improbabilidade do sobrenatural.
Freud definiu a religião como uma neurose obsessiva coletiva, que nos poupa de elaborar nossas neuroses pessoais, servindo de alívio ao mal-estar de uma civilização cheia de regras e labores. Estudos atuais mostram que possuir uma espiritualidade diminui os comportamentos suicidas e alivia, em parte, o sofrimento de episódios depressivos. A fé favorece a qualidade de vida, o enfrentamento de adversidades, dando mais sentido a essas vivências. A prática religiosa é fator positivo à autoestima e ao autocuidado, por inserir o paciente numa comunidade que funciona como rede de apoio. Outros estudos indicam que céticos e religiosos têm risco semelhante de desenvolver transtornos mentais, ou seja: apesar de melhorar o prognóstico, a espiritualidade não previne os transtornos mentais.
O ceticismo atual tem origens no positivismo degenerado em agremiações ideológicas, entusiastas fetichistas dos novos cultos “botânicos”. Após a decadência do teocentrismo na modernidade, nossas individualidades foram empolgadas pelos ícones do iluminismo e da globalização: ciência, indústria, os direitos e deveres civis e o humanismo socialista. Chegamos, enfim, na era dos abusos e imediatismos narcisistas do século XXI, momento de desmoralização de valores seculares que sustentavam alguma harmonia social.
Nas horas sombrias, alguns indivíduos retornam aos braços de Jesus, ansiosos por restaurar um consolo existencial. Porém, Deus parece ser um ente fora de qualquer tempo, sendo o tempo um derivado relativo d’A Criação do Universo. Um Ser intangível, incompreensível, talvez além do próprio conceito de realidade. A nós, órfãos desesperados, quem sabe a serenidade de novas sabedorias conceba alguma referência afetiva que acorrente o egocentrismo tecnocrático, nos salvando de nós mesmos por mais algumas décadas ou séculos.