O relacionamento e a comunicação médico/paciente são abordados pelo psiquiatra Victor Pablo em artigo publicado no Jornal ATarde.
Após um infarte, um comunicólogo mineiro decidiu cursar medicina, aos 30 anos, devido ao contexto médico sentido por ele como insensível e negligente. Ele acredita que é possível fazer a diferença, responder aos clamores ruidosos pela “humanização da medicina” e contra os ambientes inóspitos e anômicos da prática clínica. Humanização é um conceito cheio de boas intenções, mas vago.
Temos outras reações paradigmáticas: a Slow Medicine prega mais conversa e menos remédios e exames. Dos serviços de oncologia emerge a Medicina Integrativa, que busca associar à equipe técnica multidisciplinar algumas intervenções alternativas que tornem o cuidado do paciente “menos artificial”.
Não precisamos reinventar a pólvora, apenas melhorar a qualidade desse contato. A abordagem do profissional de saúde exige uma postura minimamente gentil e acolhedora. Ou seja, uma personagem confeccionada durante a formação e nos primeiros anos como profissional. Essa persona carrega elementos da subjetividade do médico, mas é uma roupagem, uma maneira de se apresentar e evitar que a comunicação sofra ruídos de nossa individualidade.
O ritmo de vida atual favorece a fragmentação da medicina e distorções de comunicação. É comum encontrar pacientes se sentindo órfãos: “Ele nem olhou para mim e já foi prescrevendo, a consulta durou 5 minutos, não comprei o remédio”. Demonstrar ao paciente uma visão panorâmica do caso, assumindo a responsabilidade de intermediar o diálogo entre as especialidades, aumenta a confiança e melhora a adesão ao tratamento. Isso evita níveis de assistência mais complexos e caros no futuro.
Um cotidiano estressante pode dificultar o vínculo terapêutico. Mas, de súbito, chega o dia em que somos confrontados com um paciente crítico, sedutor ou ameaçador. A vigilância aumenta, as perguntas se tornam pontuais, com longas pausas para absorver toda narrativa daquele campo minado de emoções. São usadas expressões de empatia para demonstrar que somos aliados. Ao final, traçamos o plano que auxiliará o paciente a alcançar seu objetivo do modo mais realista possível. Desarmada a desconfiança do paciente, passamos com segurança e firmeza à postura de agente de saúde, pois o profissional também é um educador dos limites da fisiologia humana, que torna o paciente responsável por suas escolhas, conhecendo seus riscos e benefícios.
Profissionais desgastados são incapazes de exercer essa condução espirituosa. Tragicamente, profissionais de saúde são os piores pacientes que existe. Em contraste, mais de 70% dos pacientes facilitam o canal de comunicação, já comparecem numa postura submissa, por vezes até regressiva, esperando serem devassados pelo olhar do especialista.