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Vergonha de ser Psiquiatra - Carta aberta em repúdio ao Manifesto da ABP

Caros colegas,

Foi com perplexidade e indignação que recebi o manifesto da Associação Brasileira de Psiquiatria contra a legalização da maconha. Trata-se de um festival de bobagens, com argumentos de autoridade pseudocientífica, que reforça o lugar comum da demonização das drogas de forma a nenhum pastor obscurantista botar defeito. Isso seria apenas objeto de um saudável debate intelectual não fosse o uso de uma entidade pública, representativa de uma categoria profissional tão diversificada como a nossa, para fazer proselitismo ideológico de um assunto bastante controverso.

Impressiona o quanto pessoas supostamente qualificadas por vasta titulação acadêmica conseguem produzir um discurso tão tosco. As pesquisas são citadas como se seus dados fossem incontroversos, como se associações estatísticas significassem relação de causa e efeito e como se elas pudessem substituir o pensamento lógico, crítico e a experiência clínica. As supostas evidências ignoram a clássica lição de Paracelso, para quem os efeitos de toda droga dependem da dose, portanto, do fator humano, que é o verdadeiro responsável pelas consequências do seu uso e manipulação. Ao “inovar” na farmacologia, dividindo as drogas entre as boas e más, – aquelas, as justificadas pelo uso médico; essas, as demais – o manifesto, em seu caráter simplório, acaba usando o discurso da saúde para fundamentar o tratamento jurídico policial da questão. Desconsidera que o profissional de saúde mental lida com a mente e o comportamento das pessoas, portanto, combate o uso – quando nocivo, compulsivo ou abusivo – e a dependência química, mas não as drogas. Isso é coisa de polícia, jamais de psiquiatra.

Ao contrário do que insinua o manifesto, a defesa da legalização das drogas não se confunde com a apologia das mesmas, com incentivo ao uso, nem com ausência de crítica aos comportamentos de risco. A questão em jogo é o limite da intervenção estatal na vida das pessoas em detrimento de sua autodeterminação e livre arbítrio. A criminalização das drogas transfere para o estado a responsabilidade pelas escolhas e comportamentos individuais, infantiliza a sociedade e dificulta as próprias abordagens terapêuticas dos pacientes. As carências da nossa saúde pública não podem servir de álibi para impedir a mudança, pois problemas em relação às drogas sempre existirão, sejam elas legalizadas ou não. A questão é escolhermos com qual problema queremos trabalhar, se com aqueles decorrentes de um estado paternalista, autoritário, ineficiente e caro, ou se aqueles de uma sociedade moderna e democrática.

O “manifesto da ABP” não é um posicionamento técnico, como quer fazer parecer, mas um posicionamento ideológico de burocratas buscando ocupar espaços na máquina pública. A presunção de um saber superior, a eliminação da controvérsia pelo discurso “chapa branca” e o aparelhamento de uma entidade profissional são práticas do melhor estilo fascista para atentar contra a democracia e tutelar a vida dos cidadãos.

Dr. Luiz Fernando Pedroso, Médico Psiquiatra e Diretor Clínico da Holiste Psiquiatria.