Cresce o número de crianças diagnosticadas, e cada vez mais precocemente. Mas, quando realmente existe um quadro de transtorno mental?
Muito comuns nos dias de hoje, os casos de déficit de atenção e hiperatividade tem elevado o número de crianças que fazem uso de medicações psiquiátricas desde muito cedo. Para falar sobre o tema, a psicóloga Daniela Araújo e a psicopedagoga Nádja Pinho, ambas membras da equipe Holiste, compareceram ao programa Metrópole Saúde, da Rádio Metrópole.
Como identificar o transtorno mental
Vários pais se perguntam como identificar se existe um quadro de transtorno mental ou se é algo comum à infância ou juventude: “É muito complicado. Deve-se prestar atenção quando um sintoma se repete muito; ou muito na escola, na casa, ou em outros ambientes onde acriança circula, e quando isso está causando muita angústia. Eu acho que estes são dois norteadores para a gente pensar que tem alguma coisa acontecendo que não seria normal” – pontua Daniela. Como a rotina diária termina afastando pais e filhos por um longo período do dia, a escola tem papel fundamental na identificação de alguns sintomas. “Se você observa que aquela criança não consegue concluir tarefas, tem uma dificuldade motora e isso causa sofrimento, já são vários indícios. Aí entra a questão da escola, porque normalmente a escola vai sinalizar. Se eu tenho 30 alunos em uma sala e um traz algo diferenciado, algo está acontecendo. Então, ele chama a atenção” – explica Nádja.
Para a psicopedagoga, é fundamental não rotular a criança antes de um diagnóstico preciso do especialista. “É muito importante a gente diferenciar o Transtorno de Hiperatividade de uma criança hiperativa. Transtorno é doença. A criança pode ser levada, e isso não significa dizer que ela tem o Transtorno de Hiperatividade. É importante que a gente nunca rotule nossas crianças, principalmente antes de um diagnóstico do especialista.” – ao que acrescenta Daniela: “Está para todas as crianças, a agitação. Qualquer criança é agitada. Não necessariamente, isso diz respeito a um transtorno. Isso precisa ser, como Nádja disse, investigado”.
Problemas nos estudos
Geralmente, os pais começam a perceber que algo não vai bem a partir do mal desempenho escolar, seja no rendimento dos estudos ou em problemas comportamentais. Novamente, Nádja alerta para o perigo de conclusões apressadas sobre estes problemas: “Pode ser uma dificuldade na metodologia, ou a professora que a criança tinha muito apego e já não existe mais na turma, ou uma dificuldade da vida pessoal que a criança está atravessando neste momento. Antes, é preciso mapear o que está em volta desta criança, para depois estabelecer se existe alguma dificuldade de aprendizado. Isso que ela está demonstrando como um problema no aprendizado pode ser apenas um sintoma: eu não aprendo porque minha vida está difícil, eu não aprendo porque meus olhos, meus ouvidos, minha coordenação motora não permite! Então, existe muita coisa para ser investigada antes de dizer: esta criança tem problema de aprendizado”.
Uma vez detectado o problema, a escola deve oferecer meios para garantir que a criança consiga se desenvolver: “A criança precisa de uma equipe multidisciplinar, por cauda deste sofrimento que falamos anteriormente. Ele precisa de um psicopedagogo que ajude a professora, para que ele possa estar incluso na sala de aula. Algumas vezes, temos atividades adaptadas para aquela pessoa, porque o tempo de aprendizado dele é diferente e tem que ser respeitado. Então a prova dele, às vezes, tem um tempo diferenciado, o número de questões, os anunciados, variáveis, tudo deve ser adaptado” – esclarece a psicopedagoga.
É preciso respeitar o “ser criança”
Na dúvida sobre o que fazer para que a criança melhore o foco nos estudos e outras tarefas, geralmente os pais tendem a preencher o tempo dos filhos com inúmeras atividades: esportes, aulas de idiomas, dança, reforço escolar, etc. É fundamental ter em mente que, às vezes, o que parece ser benéfico pode aumentar o problema: “Brincar é imprescindível. Estar com os pais, ter lazer. Atualmente os pais enchem a criança de atividades e isso também mexe com o corpo. É preciso de um vazio para a criança se encontrar até com ela mesma” – afirma Daniela.
Para a psicóloga, além de respeitar a condição de ser criança é preciso respeitá-la enquanto indivíduo: “A gente recebe muitas crianças que têm irmãos, que reclamam ‘minha mãe me compara o tempo inteiro’. Isso angustia a criança. É preciso que cada um ganhe o seu lugar, é preciso que a criança possa construir o seu lugar, que é próprio, singular. Tanto é singular que filhos de uma mesma mãe se formam de maneiras diferentes. Essa comparação pode ser prejudicial se você fica insistindo o tempo inteiro para que a criança seja como o irmão. É como você estar dizendo que, para você, ser filho é uma outra coisa, diferente dele”.
Ouça a entrevista completa: