A Revista Outside entrevistou os profissionais da Holiste sobre o os tabus e preconceitos que envolvem a saúde mental, assim como a importância do tratamento adequado.
Confira a matéria completa.
Estima-se que os transtornos mentais afetam cerca de 25% da população mundial. A boa notícia é que é possível melhorar a saúde mental com orientação médica e tratamento especializado. Para André Dória , psicólogo da Clínica Holiste, é importante falar sobre o assunto para reconhecer o problema e buscar ajuda.
“São sofrimentos que existem desde o início da civilização e comprometem a saúde do indivíduo, os comportamentos sociais, as relações de trabalho, afetivas e financeiras, podendo até causar a morte”, alerta.
Ele também ressalta que ainda persiste na sociedade o preconceito sobre a funcionalidade da pessoa que deixa de se colocar no mundo de forma ativa e consciente. Um estigma que pode prejudicar a busca por um tratamento adequado.
“Quando uma pessoa tem um problema de saúde físico, não pensa duas vezes em procurar um profissional. Mas, quando a questão envolve um transtorno de saúde mental, que é invisível e não pode ser mensurado por não possuir um marcador biológico, muita gente busca soluções ineficientes, o que abre espaço para preconceito e especulações”, diz.
Dória afirma que é preciso ficar atento a mudanças bruscas na vida da pessoa, na conduta social, familiar, e, sobretudo, na adoção de comportamentos nocivos ao indivíduo e a terceiros. “O ‘termômetro’ para saber quando é importante procurar apoio é perceber que já há prejuízos na vida da pessoa”, esclarece.
Sim, há esperança
A psiquiatra Fabiana Nery concorda que é preciso vencer o preconceito para não agravar o quadro e aumentar o sofrimento do paciente. “As patologias psiquiátricas necessitam de tratamento médico adequado e também é preciso ter esperança, levantar da cama e pedir ajuda, é possível melhorar”, garante.
A médica diz que os transtornos mentais interferem no pensamento e nas emoções. “Quando há prejuízo no funcionamento padrão do indivíduo é importante verificar as questões orgânicas, sistêmicas, alterações hormonais e na musculatura, além das questões psíquicas, para entender como o cérebro e todo o corpo estão funcionando”, orienta.
Segundo a psiquiatra, as doenças mentais têm causas multifatoriais, mas existe um grupo de risco. “O tripé genética, ambiente e experiências apresenta um risco de duas a quatro vezes maior do que a população geral. Eventos estressantes e abusivos, assim como a negligência parental na primeira infância, estão associados a futuros casos de depressão e suicídio. Filhos de pessoas que já apresentam um transtorno mental também sofrem com uma predisposição genética”, sinaliza.
A consequência mais grave seria a tentativa de suicídio, que pode ocorrer quando a patologia se cronifica e leva ao desfecho do pensamento suicida, ao plano e à tentativa de morte. “Mas, é possível desistir. Como sintoma de gravidade de uma doença, pode ser tratado e prevenido. Mas é preciso saber falar sobre o assunto de forma adequada, pois os transtornos psiquiátricos deixam o paciente fragilizado e sem energia para pedir ajuda, papel que acaba sendo da família e dos amigos”, afirma Fabiana.
O tratamento é individualizado. Cada paciente tem uma apresentação específica da doença e um conjunto de sintomas singular, além de um histórico de vida com doenças clínicas e condição de saúde particulares. Casos leves de ansiedade e depressão podem ser tratados apenas com psicoterapia. Já um quadro mais moderado pode ter indicação para o uso de medicação.
“Na maioria dos casos o indivíduo consegue fazer o tratamento em ambulatório e apresentar melhoras. Nas situações onde existe risco para o paciente ou outras pessoas pode ser recomendada a internação do paciente”, explica Fabiana Nery.
Importância do tratamento adequado
Já a médica Camila Coutinho ressalta que é fundamental compreender que vários transtornos psiquiátricos produzem alterações orgânicas sérias, desde processos inflamatórios generalizados e alteração hormonal (como cortisol) até perda cognitiva, surgimento de doenças metabólicas, cardiovasculares e obesidade.
“Em decorrência desse acometimento sistêmico, os pacientes podem ter uma redução de 10 anos na expectativa de vida. Diagnosticar precocemente é fundamental para tentar reverter este cenário e devolver a funcionalidade ao indivíduo”, revela, ciente da importância de iniciar o tratamento quando os sintomas ainda são leves, favorecendo uma melhor resposta terapêutica, exigindo uma menor quantidade de medicações e promovendo uma melhor qualidade de vida do paciente.
Segundo ela, os sintomas disfuncionais variam desde insônia, cansaço persistente, desânimo, falta de energia e de prazer em atividade antes motivadoras, até angústia, queda de libido, sensação de perseguição, preocupação excessiva, compulsão alimentar e ideia de ruína. Também pode haver prejuízo de memória, déficit de atenção, alucinações auditivas, bem como sintomas físicos diversos, como dor de cabeça, tontura, náuseas, palpitações e dor no peito.
“Quanto mais se compromete a capacidade funcional mais se perde a habilidade de executar as tarefas cotidianas necessárias para uma vida independente, autônoma, produtiva, prazerosa e feliz”, elucida.
Reconhecendo o problema
Para o psicólogo Pablo Sauce outro importante desafio é insistir na escuta terapêutica para encontrar um modo de lidar com as próprias angústias. O caminho? A palavra.
“Moro no Brasil há 18 anos, mas sou argentino e não entendo porque aqui não se encara a terapia como algo natural e positivo. Na Argentina, a regra é fazer terapia, pois é comum buscar alguém para conversar para se entender melhor”, pontua.
Como psicanalista, sua perspectiva de trabalho é centrada na palavra, o que só faz sentido quando o indivíduo reconhece que tem o problema e sente a necessidade de colocar essa angústia para fora e conversar com alguém. “Se o sujeito não se responsabilizar por seus atos e pelo seu bem-estar não poderá trabalhar, através da fala, pontos importantes sobre como a doença se manifesta em sua vida, os possíveis gatilhos e até mesmo os comportamentos de autossabotagem”, comenta.
Ele trabalha diariamente com dependentes químicos e a expressão através da palavra, especialmente em grupos, tem um efeito muito positivo. “A partir do momento em que a pessoa consegue verbalizar suas angústias com relação ao transtorno mental, ouve o depoimento dos outros e estabelece uma conexão entre as histórias de vida, ela percebe que não está sozinha e que é possível tratar a causa e os sintomas da doença”, assegura Sauce.